Sentamo-nos brevemente.A conversar. Para conversar. Tínhamos estado, momentos antes, à vez, com uma amiga comum, que conhecemos em circunstâncias muito diferentes, mas que nos atou a ambos com o mesmo laço. A determinada altura ela percebeu que quando falávamos, em momentos e lugares diferentes, de modelos, era um do outro que falávamos. E disse-nos. A ambos. Em momentos diferentes. Falou-nos da surpresa que tinha sido para ela referirmo-nos um ao outro em termos muito semelhantes. De amizade, de admiração, de modelagem alicerçada por um percurso de vida que, apesar de distante no espaço e no tempo, tem muitos pontos similares.

Foi mais um pretexto para nos sentarmos e conversarmos e partilharmos e voltarmos a aprender um com o outro. Poderia ser meu filho mas nem é como filho que o vejo, nem é como pai que me vê. Somos amigos, vamos sendo, cada vez mais, companheiros de caminho, com toda a cumplicidade que quem caminha sabe que se cria, e como frutifica.

Há uns tempos, numa formação para voluntários, foi-me pedido que referisse um caso de sucesso e um outro de frustração. No sucesso lá estava ele, o Fredo, que não me canso nunca de referenciar como exemplo de perseverança para quem anda nestas coisas. Se mais não fosse, ele já teria valido tudo a pena. De frustração, um outro, igualmente amigo, de outras caminhadas, que a determinada altura escolheu outros percursos que o conduziram inevitavelmente à morte: o Gusto. Um percurso que poderia ter sido outro, que tinha tudo para ser outro, que inclusivamente foi outro para os seus irmãos, mas que ele escolheu, e assumiu, de corpo inteiro, pelo menos até àquela noite em que nos encontramos, eu na carrinha amarela, ele na fila para a carrinha amarela, na estação de São Bento.

Na verdade, não há casos de sucesso ou de insucesso. Na verdade, não há casos. Há pessoas. Na verdade não metemos ninguém numa máquina de fazer felizes, não metemos pitadas aqui nem adicionamos condimentos acolá aperfeiçoando receitas infalíveis. Na verdade nunca deixo de ter o coração nas mãos, os olhos no céu e os pés na terra. São muitos os miúdos que me passaram pelas mãos que passaram depois pelas cadeias ou andaram a monte, a viver de esquemas que eu prefiro nem conhecer para que os possa acolher abertamente quando quiserem voltar a ser acolhidos. Na verdade é de pessoas que se trata, cheias de vida, cheias de passado, cheias de vícios, cheias de facilidades prometidas e de sonhos que rapidamente se transformam em desencantos e frustrações e motivos mais que maiores para viverem rapidamente. Na verdade, se podemos fazer alguma coisa - e é quase sempre a única coisa que podemos verdadeiramente fazer - é fazer-lhes sentir que, qualquer que tenha sido o seu percurso até aqui, o que importa é a partir daqui. Da sua resposta dependerá, muitas vezes, efetivamente, a sua vida. Perguntem ao Fredo. Ou ao Gusto. E escolham quem lhes pode responder.

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