Todos os dias, antes de começar, olho para trás, na esperança que chegue.
Todos os dias, antes de acabar, olho par a frente, na esperança que chegue.
Todos os dias, ainda que nunca chegue, espero que amanhã seja o dia em que chega.

Eu gosto de esperar. Gosto que combinem, antecipadamente, de marcar o dia, e o local, e a hora. Gosto de acordar antes, de chegar antes, de viver antes o que calculo que irei viver a seguir. Gosto daquela sensação de aperto, de expectativa, de imaginar as conversas, o percurso interior que iremos fazer, o percurso exterior que iremos fazer, de antecipar as paisagens e os sons e as cores que irão colorir aquele momento que será apenas nosso. Gosto de confiar que chegue, que depois, pouco antes de chegar, rapidamente se transforma em duvidar que chegue, rapidamente dá lugar ao perscrutar do horizonte, numa tentativa de ver, primeiro a silhueta, depois o andar, a forma como caminha e se dirige a mim, depois, mais perto, o olhar, o sorriso - se o motivo da espera for bom - a rigidez do rosto - se o motivo não for bom - e de tentar ler, logo aí, enquanto não chega, o seu estado de espírito e logo aí, enquanto não chega, refazer percursos interiores, refazer percursos exteriores e diálogos e formas de começar a conversar, e mentalizações para o caso de as coisas não correrem bem.

Já apanhei autênticos banhos de desilusão, já antecipei conversas que nunca aconteceram, já tive percursos que foram bruscamente interrompidos, já enfrentei olhares que jurava amigáveis e se revelaram frios, e distantes, e surpreendentemente frios e distantes, e dolorosamente frios e distantes. Já pedi, interiormente, que me tirassem daquele filme, à medida que ia constatando que afinal eu estava só, sempre estivera só, sempre fora uma coisa só minha, cuidadosamente camuflada por mim próprio, laboriosamente construída por mim próprio, impiedosamente ignorada por quem esperava. Já tive vontade de desmarcar, à posteriori, de me esconder, à posteriori, de fazer de conta que tinha sido um engano, uma confusão, que afinal não era bem assim, sempre à posteriori, negando as mais profundas evidências interiores, em vão contrariando as maiores evidências exteriores.

Já me aconteceu de tudo, depois da espera. Inclusivamente o céu. E pela hipótese de céu, nem que seja pela ínfima hipótese de céu, valeu sempre a pena esperar.

Por isso, espero. Todos os dias. Na esperança que chegue.

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