20151022
Esta noite foi passada na companhia da minha velha amiga insónia.
Muitas vezes não é assim tão amiga: deixa que eu me enrede nos meus próprios pensamentos como peixe na rede, sem me conseguir soltar de mim próprio, sem avançar noutro sentido que não seja o círculo perfeito, voltando uma e outra vez ao mesmo lugar, sem progredir coisa nenhuma.
Não foi isso que aconteceu esta noite. Desta vez fartamo-nos de conversar. Das coisas da alma, principalmente. Disse-me que eu estava enganado havia muito tempo. Que a alma não é uma só, presa ao corpo, amarrada à vontade, rendida aos nossos desejos mas tem vida própria. Que prender e amarrar e render fazem parte de um outro vocabulário, que é estranho à linguagem da alma. Que refere a um outro mundo: o das coisas, das quais o corpo faz parte. E disse-me ainda - para me tentar fazer perceber - que a alma é um pouco como Deus que, sendo um, não é apenas um, e não sendo apenas um, não deixa no entanto de ser um. E que, sendo um, habita em muitos lugares, preenche muitos lugares e se preenche em todos os lugares, sem se sentir dividido mas multiplicado, complementado por todos os lugares que habita, em si tão diferentes, mas dentro de si tão únicos... tão unos! E disse-me ainda que é por isso que a linguagem de Deus é a linguagem da alma, que apenas a tornamos corpo, apenas a coisificamos, porque estamos sempre à procura de aprender a escutar, e a ver, e a sentir, e a valorizar o que escutamos e o que vemos e o que sentimos. Depois olhou-me atentamente e disse-me, lentamente, para que eu entendesse bem - ela sabe bem, até pelas horas tardias em que me visita, que eu com sono sou ainda mais lerdinho - que não havia motivo para preocupação. Que sossegasse e deixasse a minha alma sossegar. E que confiasse. Porque a minha alma, bem melhor que eu, reconhece o amor, reconhece-se no amor, até porque habita aí nesse lugar onde também habita Deus.
Estremunhado, olhei para a minha velha amiga insónia, agradeci, e disse que tinha que me levantar cedo. Ela sorriu, anuiu,e foi tratar da vidinha dela para outro lado. Com a minha alma, desconfio, porque dormi sossegado até de manhã.
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Bambora
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