Sinto sempre um respeito e responsabilidade profundos por aqueles que são capazes de fazer aquela que é, para mim, a mais difícil das partilhas: a dos momentos difíceis.

Aconteceu num destes dias. Cruzáramo-nos várias vezes nos corredores da vida, com cordialidade nos cumprimentos e no olhar, apercebendo-nos do bom acolhimento mútuo. Mas nunca conversáramos, a sério, nunca tínhamos feito nada juntos, nunca tivéramos sequer oportunidade de trocar mais que o mecanizado e mecanizante "tudo bem?" da praxe.

Mas aconteceu num destes dias. Calhou ter-se proporcionado um momento para conversarmos e, passada aquela barreira que nos permite confirmar ou não a intuição sentida, partilhou. As suas dores, as suas dificuldades, a sua solidão, porventura o seu desespero em conseguir lidar com a situação, a sua profunda solidão, mais uma vez, numa manifesta incapacidade de gerir - sem julgar poder contar com mais ninguém! - o céu que teima em desabar sobre a sua cabeça.

Impressiona-me sempre a dor escondida. E impressiona-me sempre por vários motivos. Invariavelmente, o primeiro é instintivamente auto-punitivo: não percebo como pude não me ter apercebido antes, como pude não ter visto, como pude ter andado tão distraído. É instintivo, e reduz fortemente assim que permito que a cabeça funcione: não posso respeitar a distância que nos é - ainda que tacitamente - pedida e, ao mesmo tempo, invadir o que não querem ver invadido. "Não podes dar o que não querem receber." Ponto. O segundo motivo é mais racional. Mas mais duro. Impressiona-me a capacidade que algumas pessoas têm de continuar apesar de..., de persistir, de combater, de andar de cabeça erguida e ainda - espante-se! - sorrir, tentando conciliar o turbilhão interior com a aparente calmaria exterior, refugiando-se cada vez mais, escondendo-se cada vez mais, isolando-se cada vez mais. E impressiona-me sempre, sempre a solidão. Que nunca escolhe idades ou géneros, que não escolhe contas bancárias ou aspectos físicos, que muitas vezes não escolhe sequer acontecimentos específicos, mas que entra, subrepticiamente, e subrepticiamente se instala sem pedir licença, e se deixa ficar por lá, minando, minando, no silêncio, até que alguém ceda.

Aconteceu num destes dias. Cedeu. Foi comigo - improvavelmente comigo - mas cedeu. E eu estava lá, a escutar atentamente, cuidadosamente calado, porque, como concordamos mais tarde, há dores que não podem nunca ser menorizadas ou suavizadas. Apenas partilhadas.

Aconteceu num dia destes.

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