O melhor de uma conversa, de um encontro, de uma pessoa, acontece quando permitimos que ela nos habite, nos mexa por dentro, nos faça companhia - muitas vezes quando menos o esperamos - nos remexa as entranhas e nos lance naquela inquietude onde nasce a sabedoria. 

Na conversa com os meus filhos, uma delas disse, às tantas, que não tinha a certeza que aquilo que sentia em Taizé ou quando rezava com os amigos ou quando estava no Fé e Luz com os deficientes ou em qualquer outra situação do género, era por ser católica ou se sentiria o mesmo independentemente de ter ou não ter fé, de sentir ou não a presença de Deus. Sorri. A importância que colocamos às etiquetas é verdadeiramente desmesurada. Não me parece nada importante para quem está com ela, para quem vive com ela, para quem experiencia estas coisas com ela, se ela é católica ou não, se é por Deus ou não. As etiquetas servem para uma coisa apenas: separar. Porque somos naturalmente limitados e não conseguimos abarcar todas as coisas, separamo-las por classes, ou funções, ou cores, ou religiões, ou o que quer que seja, apenas para que possamos lidar com elas com maior segurança, apenas para que as possamos utilizar melhor, apenas para que nos possamos defender melhor. Conscientemente ou não, agimos de determinada forma, preconcebida, em função das etiquetas que colocamos, fechando-nos e fechando-as à imensidão do que poderia acontecer se não tivéssemos colocado - ou deixado colocar - as nossas tão preciosas etiquetas.

Mas não foi isto, no entanto, o que fez caminho em mim. Foi outra coisa.

Não me parece que Deus faça incidir um raio de luz sobre a cabeça de cada um nem que o Espírito Santo e entretenha a distribuir línguas de fogo segundo a sua vontade. Acredito que Deus nos fala de muitas formas, mas nessas formas está sempre envolvido o outro. Há alturas em que Deus nos sussurra na alma e a alma transborda contagiando quem está à nossa volta. É quando deixamos que Deus atue em nós e somos luz e caminho, muitas vezes sem sequer nos apercebermos disso. E há alturas em que Deus nos fala pelo que nos envolve, seja a natureza, sejam as pessoas, seja uma situação nos remexe as entranhas - porque Deus é sempre uma coisa de entranhas! - seja uma inesquecível oração da luz em Taizé que nunca deixa de nos iluminar as noites escuras. É quando nos deixamos contagiar pelo transbordar de Deus no que nos rodeia. 

Não precisamos de ser católicos para sentirmos que Deus nos fala. Não precisamos sequer de ser cristãos. É mais fácil senti-lo sendo-o, porque O conhecemos, mas não é absolutamente necessário. Não podemos é retirar Deus da equação das nossas vidas. Se, quando nos sentimos em paz, quando nos sentimos em sintonia, quando nos sentimos parte de algo maior que nós - e sentimo-lo muitas vezes - procuramos apenas explicações lógicas para o que sentimos e não damos lugar ao que nos transcende, estamos a colocar-nos etiquetas, e aos melhores momentos das nossas vidas. 

E estamos a roubar-nos a nós próprios a imensidão que somos.

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