Lembro-me perfeitamente da primeira vez que me sentei num avião. Ia para Londres, estava mais fascinado que nervoso, apesar de só me vir à cabeça aquelas cenas de filmes de segunda categoria em que os aviões caem e toda a gente morre. Desde aí, instintivamente penso sempre a mesma coisa quando me sento naquelas cadeiras desconfortáveis e olho em volta: "olha as pessoas com que vou morrer." E entretenho-me a imaginar como cada uma delas reagiria. Logo que o avião avança na pista, desligo deste nonsense, e sigo a minha viagem calmamente.

Discutíamos lá em casa, um dia destes, o meu exacerbado optimismo/conformismo. Eu dizia que não conheço muitas pessoas tão felizes quanto eu e, à volta da mesa, tive quem me defendesse e quem visse nisso algo profundamente limitador. Os primeiros diziam que sermos felizes é o objectivo e o propósito fundamental da nossa vida, e os outros, que o facto de nos sentirmos felizes (e conformados com a nossa situação) é um forte impedimento ao progresso e à evolução. Privilégios de quem tem muitos filhos e o hábito de fazer as refeições em família e sem televisão.

Eu sou um optimista, sou feliz, e, normalmente, gosto muito do que tenho e sinto orgulho no que vou alcançando. Para um puto do bairro (que sempre serei) assustado com a vida e morrendo de medo do futuro, quando olho para trás tenho que concluir que não me tenho saído nada mal, apesar de tudo. Em termos pessoais, sou e tenho muitíssimo mais do que alguma vez pensei ser possível.

No entanto, francamente não sei se o meu optimismo é inato ou construído. Se resulta daquilo que sou ou do exercício de olhar à minha volta, preparar-me para o pior, incorporá-lo, e depois perceber que a minha realidade é outra. E ficar feliz com isso.

Uma das muitas recordações da infância que não sei bem se correspondem à realidade ou se são construídas pelo meu subconsciente, trata-se de um quadro em que um casal de miúdos estão à beira de um poço mas protegidos por um anjo da guarda. Por causa desse quadro, durante muitos anos senti que nada de verdadeiramente mau me poderia acontecer. À força de pancada, a vida foi-se encarregando de tentar desmontar essa minha confiança profunda, quase inabalável. À força de presença, de perseverança, e de amor, aqueles que me amam foram-se encarregando de restaurar a confiança recordando-me que, afinal, enquanto os tiver, nada de verdadeiramente mau me pode acontecer.

Não conheço melhor motivo para continuar a ser optimista.

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