Hoje, quando vinha trabalhar, ouvi na rádio que foi criado um rim artificial que funciona. A primeira coisa que pensei foi que qualquer dia não morremos. E a segunda foi: agora é que é precisa a religião. Se não morrermos naturalmente, teremos que escolher a melhor altura para morrer. E quem não tem fé, como poderá escolher? Como é que alguém escolherá entre o que tem, ainda que seja mau, e o nada? Como é que alguém, a determinada altura da sua vida, poderá autorizar-se a ser nada? Como é que alguém que passou toda a sua vida a conquistar um lugar, que é sempre importante para alguns, se permitirá ser nada? Como é que alguém que não tem fé escolhe que quer ser nada?

Há pessoas para quem a única coisa que as impede de se considerarem verdadeiros deuses é a morte. Outras, em sentido oposto, encontram na imponderabilidade e inevitabilidade da  morte a desculpa para a forma como (não) vivem a sua vida. Pessoas ou demasiado cheias de si ou demasiado vazias de esperança, para quem o tudo e o nada se tocam irremediavelmente, que se consideram donos e senhores de si e do seu destino, donos e senhores da sua própria vida, que por isso desconhecem o significado da gratidão profunda.

Como irá ser para eles? Como irá ser para nós? Como irá ser para aqueles que nos rodeiam e nos amam? Como enfrentarão a obrigatoriedade de nos deixarem morrer? Como irá ser para a sociedade em geral? Decretar-se-à a morte? Definir-se-à uma idade limite para todos, qualquer que seja a sua circunstância ou, nesta como em muitas outras coisas na vida, haverá alguns com mais direitos que outros, em função da qualidade dos seus advogados? Quem morrerá antes? Os que não têm dinheiro para manterem a própria vida? E os que o têm? Poderão perpetuar-se?

São questões controversas, estas, que quase parecem de um filme de ficção científica de série B. No entanto, creio que não andaremos longe da altura em que as teremos que colocar a nós próprios.

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