serenidade, alegria, verdade e liberdade

Também eu não costumo escapar aos balanços de fim de ano. Nem o desejo, em boa verdade. Se nos tempos normais gosto de me sentar e dividir o tempo, e analisar o que eu e o tempo nos temos provocado mutuamente, no final de cada ano - e quem está no ensino tem mais que uma sensação de final de ano... e oportunidade de recomeçar - essa tarefa é absolutamente dominante. Passo-me em revista, revisito caminhadas e conversas e partilhas e dores e alegrias, voltando a sentir muitas delas, alternando sorrisos e suspiros, peso gestos e atitudes, volto a penitenciar-me por alguns, a orgulhar-me por outros, e chego à invariável conclusão que estou mais velho... e que isso não se nota nada. Continuo a sonhar, por vezes contra todas as probabilidades, continuo com a mesma dificuldade em me situar dentro dos parâmetros exigidos para quem tem a minha idade, continuo a não reconhecer quem está do outro lado do espelho, apesar das dores nas articulações, das insónias cada vez mais frequentes, do cansaço generalizado cada vez mais instalado.
Este ano teve a particularidade de me abalar as estruturas, de me questionar ainda mais que o normal, de ter que tomar decisões de fundo, de me desconstruir e de continuar a tentar - quase com cinquenta anos! - perceber quem sou e para onde quero ir. Como todos os que lidam comigo, acreditava que por esta altura já ia sendo tempo de ter mais juízo, de calçar mais vezes as pantufas, de me ir instalando cada vez mais confortavelmente, não no sofá - que isso eu faço na perfeição! - mas na pessoa que vou sendo. Não sei se é por ter muitos filhos, não sei se é por trabalhar muito com malta nova, não sei se é por ter uma alma que anda sempre à procura não sei bem de quê, mas o facto é que estou longe de conquistar aquela serenidade interior que sempre associei à sabedoria profunda. Em boa verdade, não sei se alguma vez chegarei lá, ou se a sabedoria profunda apenas estará ao alcance de quem percebe que chegou a algum lugar. Enquanto eu tiver esta permanente sensação que estou algures a meio caminho do que quer que seja, não creio que me vá permitir muito mais do que tem sido. Que não tem sido pouco, convenhamos.
Creio que nesta altura do campeonato posso afirmar que vivo sob a égide do amor. Apesar do elevado nível do pirosismo desta afirmação, não consigo encontrar outra que defina minimamente este estado permanente de Louvor e Graças a Deus, e à vida, e a todos os que me acompanham nesta jornada. Vou percebendo de forma cada vez mais nítida como faço parte de um todo muito maior que eu, nas múltiplas atividades que me preenchem a vida, nos múltiplos encontros que vou tendo, nas múltiplas partilhas que vou vivendo e que fazem com que eu seja uma espécie de parque de campismo e dentro de mim se armem tendas e acampem, e permaneçam. Indefinidamente. Indelevelmente.
Normalmente, nestas alturas, faço balanços, não projeções. Talvez porque me é muito mais fácil avaliar o que se passou, onde falhei e onde fui bem sucedido, que encetar compromissos que, por muito gerais que sejam, sei que me sairão furados. Há, no entanto, um compromisso que terei que assumir: o de não prometer - ainda que tacitamente - o que poderei não conseguir cumprir. Creio ter sido esta a grande lição deste ano.

"It takes two to tango", e "It ain't over till the fat lady sings" talvez sejam os grandes ensinamentos que fazem a ponte entre 2015 e 2016. A ver vamos.

PS: 2015 foi o ano em que escrevi mais... e em que fui mais vezes lido (cerca de 30 000 visualizações). A parte da escrita é normal: preciso de escrever quando me enervo, estou confuso, tenho medo, confio, partilho e aprendo, cresço e aprendo, faço asneira e me penitencio, quando tento o que quer que seja, estou maravilhado e grato, e rio e choro, tenho orgulho em quem quer que seja, e louvo e dou Graças, quando estou apaixonado, quando amo, quando (me sinto) vivo... 2015 foi pródigo em tudo isto; A parte dos leitores é assustadora. Mesmo! Lamento, Miguel Sousa Tavares, mas sou dos imbecis que escrevem para si próprios. E por isso esforço-me por, e vou conseguindo desligar-me de quem me lê, não pensando nas suas reações ou sentimentos que daí possam despoletar. Ainda que isso me possa trazer alguns dissabores.


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