"É preciso construir boas memórias!" Recordei-o hoje à medida que caminhava quase no deserto, envolvido num amanhecer agreste, na margem de um mar ainda mais agreste, tendo apenas as memórias como companhia. Recordei-o a propósito da esplanada, hoje ainda mais despida, hoje sem nos ter como protagonistas principais, hoje sem as personagens secundárias que desfilavam à nossa frente sem verem ou serem vistas, hoje sem história, ou filme, ou enredo, tendo apenas as memórias por companhia. Recordei-o quando o mar me abordou, hoje mais que o costume, muito mais que o costume (estava revolto como nunca o tinha visto) e não tive quem me quisesse agarrar por causa de histórias de vertigens alheias, e tive apenas as memórias por companhia. Recordei-o ainda quando, totalmente imerso na paisagem que me rodeava e me invadia a alma, pensava numa partilha de Taizé e numa forma de descobrir Deus na natureza e aí O confirmar e aí ter a certeza da Sua presença e eu a pensar, na altura, como para mim Deus é pessoas e como estava tão longe dessa natureza encantada e como, hoje, essas memórias que tinha por companhia me ajudaram a entender melhor aquela partilha.
E recordei a nossa conversa de como as memórias nos pertencem para sempre e para sempre nos fazem companhia, de como é importante que deixemos que nos façam companhia, sejam elas boas ou más, porque as boas acalentam-nos a alma e com as más aprendemos a evitar o que me nada nos acrescenta. E pensei que, por muito tempo que viva, aquele percurso à beira mar que escolho fazer imensas vezes nunca mais será um mero percurso como tantos outros, porque tem recantos recheados de palavras e de olhares e de toques e de companhias e de solidões e por tudo isso e muito mais, de vida, de imensa vida. E concluí que, provavelmente, no futuro ou por aí perto, regressarei sempre àquele percurso à beira mar, quanto mais não seja para resgatar a minha alma por entre as memórias que aí foram sendo construídas.

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