A claridade do olhar, do meu olhar, nem sempre é percebida. É extraordinariamente fácil deixar que o meu olhar se vá toldando, lentamente, gradualmente, imperceptivelmente, e o mundo vai ficando acinzentado, mais nublado, mais turvado, e eu com ele.

Eu gosto de olhar. A fundo. Consigo esquecer os nomes e os lugares onde os nomes se tornaram nomes e as pessoas se tornaram pessoas, mas dificilmente esqueço um olhar. Disseram-me, em Quelimane, numa outra vida - já tive tantas vidas! - que por vezes o meu olhar é demasiado. Intenso, provocador, invasivo, contundente, incómodo, revelador... é vir o diabo e escolher. Não tinha essa ideia. Para mim, olhar sempre fora olhar. Apenas isso. Só depois me apercebi que para mim, olhar é muito mais que apenas olhar. Que serve para ver. Que serve para conhecer. Que serve para valorizar. Ou não. Não estou, no entanto, habituado a ser olhado. Perscrutado. Analisado. Revelado. Amado, até. Pelo olhar de alguém que não o meu. Incrivelmente, há novidades que ainda me são inteiramente novas.

A claridade do olhar, do meu olhar, nem sempre é percebida. É extraordinariamente fácil deixar que o meu olhar se vá toldando, lentamente, gradualmente, imperceptivelmente, e o mundo vai ficando mais nublado, mais turvado, e eu com ele. Até que alguém me olhe. Atentamente. Amorosamente. E o dia ganha mais cor. E a vida recupera a tonalidade perdida. E eu com ela.

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