Sempre gostei das manhãs de nevoeiro, que me intrigou sempre. Saber que há mundo para além do mundo que consigo ver num dado momento, confiar que o que estava ali anda ontem continua ali, apesar de tudo, poder aventurar-me no verdadeiramente desconhecido, seja porque nunca lá estive, seja porque não sei exactamente o que me espera desta vez, constituem momentos que têm demasiadas similitudes com a fé e com a minha própria vida para que me possam passar ao lado.

Quando me disse, ontem, por entre gargalhadas, que não sabia ainda se iria renovar, não me surpreendeu. "Tenho medo de me acomodar, e continuar seria demasiado fácil. Se não gostasse tanto daquilo..." Por vezes consigo ver nele alguns traços do que, noutros tempo, também me moveu. A vontade de ser mais, o desejo tremendamente impulsionador de fugir às circunstâncias, de encontrar uma outra realidade que nos permita sermos absolutamente normais, absolutamente cinzentos, absolutamente invisíveis, são motores poderosíssimos. Mas algo mais profundo nos une: a (r)evolução que começa por dentro, que será até quase imperceptível a um olhar menos atento, a serenidade exterior fortemente contrastante com o que se passa lá por dentro - tenho-me lembrado tanto do Martin Rubber Duck, do Convoy! - e a evolução constante, sem rupturas assumidas. numa naturalidade laboriosamente construída, numa contenção permanentemente, são traços que já foram meus e que revejo nele.

"Gostava de não regredir até voltar a ser assim. Falar mito alto, gesticular muito, não me fazer passar despercebido." Olhou-me com aquele olhar que eu leio tão bem há tantos anos e que me dizia que não tem nada a certeza que isso não acontecesse. Gostaria de ter eu aquela certeza que estivesse enganada, mas não a tenho. De todo. Por vezes penso que o passado está demasiado longe para que me possa revisitar. Noutras, porém assombra-me as noites com demasiada facilidade. Em sonhos recorrentes, com as mesmas personagens, com as mesmas histórias, com os mesmo casos mal resolvidos, comigo invariavelmente dizendo o tanto que ficou por dizer, comigo invariavelmente fazendo o tanto que ficou por fazer, assumindo finalmente o tanto que escolhi desperceber.

Sempre gostei das manhãs de nevoeiro. Fazem-me voltar além do olhar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue