Estavam ambos sentados, em silêncio, ao fundo da capela. Pouco antes lera apressadamente a sua mensagem "estou na capela". Não esperava aquela resposta. É certo que ambos se tinha cruzado há pouco, fugazmente, muito fugazmente, no corredor, e ambos se tinham lido mutuamente naquela fracção de segundos. A leitura da falta de vida num olhar, a certeza que essa falta de vida tinha sido lida, sem apelo nem agravo, sem tempo para a disfarçar convenientemente, no outro olhar. É certo que depois disso tentou evitar o inevitável, dar tempo à reconstrução, voltou a consultar a página 10 do Manual de Instruções, como lhe tinha sido cuidadosamente pedido, e esperou. À distância. Exterior. Apenas exterior. É certo que não conseguira esperar mais quando teve a certeza que algo acontecera e, a medo, perguntara: "posso ajudar?" Mas é mais certo ainda que o que leu a seguir foi inesperado: "estou na capela".
Estavam ambos sentados, em silêncio, ao fundo da capela. Aprendera antes, muitos anos antes, dolorosamente, que há momentos em que o silêncio da dor é preferível à artificialidade do riso. Aprendera que, nestes momentos, quanto maior é o sentimento, maior é o espaço que ocupa, sem requerer nada mais que a pura presença. Estar, nestas alturas, é a única coisa que vale a pena. Estar. E escutar. Por isso abandonara há muito tempo as palavras de circunstância, aquelas que se dizem nestas alturas àqueles com quem nos cruzamos nos corredores mas de quem não se lêem olhares, de quem não se escondem olhares. Por isso se limitou a estar. A dar cumprimento à sua vontade de estar. A dar seguimento à permissão para estar.
Estavam ambos, sentados, em silêncio, ao fundo da capela. E deixaram-se estar, ambos, refugiados da vida que corria lá fora, a escassos metros, refugiados do mundo que continuava a girar, refugiados do barulho que impede o encontro, o belo e profundo encontro, aquele que dispensa as palavras, aquele que dispensa a artificialidade do sorriso, aquele que dispensa a camuflagem do sofrimento, aquele que une verdadeiramente.
Estavam ambos, sentados, em silêncio, ao fundo da capela. Gratos, ambos. Abençoados, ambos (abensonhados, como aprendi). Porque se permitiram, naquela altura, estar ali sentados, em silêncio, no fundo da capela. Juntos.

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