Vivi uma parte importante da infância no centro do Porto. Por isso, os vizinhos e os estranhos são culpados até prova em contrário. Quando muito, cumprimentam-se quando nos cruzamos na rua, e pouco mais, para evitar confusões. A distância é boa, e eu gosto.
Esta era a minha formatação. E continua a ser, instintivamente, embora atenuada pela vida vivida. No entanto, tudo isto muda mal estabeleço contacto com alguém. Que até pode ser fugaz, com uma simples conversa ou, nos casos especiais, com um simples cruzamento de olhares acompanhado de um sorriso. Aí, essa pessoa passa a ser inocente até prova em contrário.
Uma vez ouvi o Ricardo Araújo Pereira dizer que conhecer as pessoas lhe dava prejuízo porque depois de estabelecer uma ligação não conseguia fazer delas o alvo das suas brincadeiras. É um pouco isso, o que se passa comigo. Depois de conhecer alguém não consigo ter cuidado, ficar de pé atrás, não dar o benefício da dúvida. Claro que volta e meia tenho amargos de boca, tenho desilusões, tenho experiências muito desagradáveis com atitudes que não consigo prever nem perceber. Quando isso acontece, a luzinha do sobreaviso acende e eu fico mais atento nos tempos mais próximos. Mas passa-me rapidamente. Recomeçar é uma das minhas mais perenes condições de vida. São incontáveis as vezes em que me foi permitido recomeçar.
Esta capacidade de recomeçar e, fundamentalmente, de permitir recomeçar - que é daquelas coisas que sinto que me foram dadas e nada fiz para ter - tem-se revelado particularmente útil no Centro. Aquilo que muitos destes miúdos mais necessitam é justamente que lhes permitam recomeçar, que lhes permitam viver sem estar permanentemente a recriminá-los, que lhes façam sentir que o desejo de futuro é mais importante que a angústia do passado. Para quem já feriu e foi ferido, deixar refazer é mais importante que fazer de novo. E isso apenas se consegue confiando. E esquecendo os amargos de boca.

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