Há algo que intuo, de há muitos anos para cá, e que nunca consegui transmitir convenientemente aos meus filhos. Provavelmente porque é apenas isso, uma intuição, que apesar de me acompanhar há bastante tempo, vai sendo alternadamente confirmada e desmentida, todos os dias, e por isso também eu tenho dias em que acredito nela e outros em que sou o maior dos descrentes. Todas as pessoas que eu conheço têm coisas muito boas. A forma como as demonstram pode ser rara, podem passar completamente despercebidas durante meses a fio, por vezes até anos, mas de repente há um gesto, uma atitude, que me desarma completamente, que questiona todo o trabalho de etiquetagem laboriosamente construído por mim. E então olho para quem me surpreendeu dessa forma com um olhar totalmente novo, como se tivesse descoberto a pólvora debaixo de água. A minha dificuldade reside no facto de depois, quando tento transmitir o que testemunhei, quase ninguém acreditar. "sim, pois, não estava nele naquele momento e vais ver que não tarda a voltar ao normal". O pior de tudo é que, ao fim de algum tempo, eu tendo a dar razão a estas vozes carpideiras e convenço-me que foi mesmo um fogacho. Até á próxima vez.

Nas nossas reuniões do Centro, há algo que eu repito sistematicamente: "não podemos ter ilusões". Todos se voltam contra mim, todos me contestam, e a sensação que eu tenho é que ninguém percebe o que eu quero dizer. Viver sem a expectativa do outro pode ser um risco, mas é o garante da liberdade. Ficar á espera do que ele faz, naquele dia, naquele momento, e apreciar aquele seu gesto ou atitude é não o seu historial é o que permite que cada um vá corrigindo o seu percurso a cada momento, é o que permite que digamos que assim é que se cresce. Se estivermos sempre a comparar o que faz com o que fez e prever, com base nisso, o que irá fazer, não estamos a viver a realidade mas a nossa expectativa da realidade. Eu tenho expectativas em relação às pessoas. Aprecio a sua evolução, aprecio o seu caminho, mas não tenho qualquer ilusão: qualquer caminho tem altos e baixos, tem momentos bons e maus, tem curvas erradas e muitos despistes. Esperar que a viagem pessoal não seja atribulada, isso sim, é ter ilusões.

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