Gosto muito do meu amigo Mestre Tempo. Gosto do que ele me faz, dos cabelos a embranquecer e a começarem a rarear, o corpo a mudar, de olhar para o espelho e ver alguém mais parecido com o meu pai que com a ideia que eu tinha de mim. Gosto mais ainda da transformação interior que lhe está sujeita: vou ficando progressivamente  mais maduro, mais calmo, descobrindo a capacidade de dar o devido peso às coisas, relativizando mais, descortinando com maior facilidade o gozo de subir a montanha aproveitando cada paisagem. Mas gosto, sobretudo, do privilégio que apenas o Mestre Tempo me pode dar: a possibilidade de testemunhar o seu efeito naqueles que são parte de mim. Porque acredito muito que nós nunca somos apenas nós, mas também aqueles que connosco transportamos. E que não seríamos nunca os mesmos se, por artes mágicas, pudesse ser passada uma esponja na nossa memória e dela se apagassem as brincadeiras, o choro e o riso, a oração, o silêncio, a distância…

Apesar de, nesta altura, o meu percurso de vida não passar pela Capela, eu não seria nunca o mesmo se a minha vida não a tivesse como lugar de referência. Regressar à Capela é sempre voltar a casa, reconhecer olhares, recordar vidas e momentos enormes passados em conjunto. É recordar pessoas e orações e noitadas e passeios e sardinhadas e batalhas interiores e exteriores para tentar descobrir quem é este Jesus que aí me fizeram descobrir e desde aí me interpela todos os dias. É recordar compromissos sérios e fecundos com malta nova e malta menos nova, é também medo de não ser capaz de transmitir a fé àqueles que comigo contavam para ajudar a construir as suas vidas. É recordar fins de semana fora de casa e retiros e partilhas de vida tão intensas quanto transformadoras, que fazem com que os olhares tenham nome, com que o presente tenha passado e eu esse passado seja, fundamentalmente, motivo de orgulho.

Regressar à Capela é regressar ao Boa Nova, ao Navegar, ao RH+. E é, por isso, também alguma dor. Acredito que quem sai de casa não deixa de sentir nunca que uma parte importante de si ficou naquela casa. Apesar disso, temos que sair, sob pena de ficarmos sem saber quem verdadeiramente somos. E, quando o Mestre Tempo o impõe, também temos que deixar sair. Não podemos fazer como Pedro, que quer fazer uma tenda para Jesus, Moisés e Elias e esquecer que o mundo existe. E existe lá fora.

Encontrar-me com a malta do Navegar não é nem pode ser regressar ao passado. Estamos todos mais velhos, porventura mais sábios, com outras responsabilidades que não podemos nem queremos abandonar. Aqueles que amamos e com quem prometemos partilhar a vida são já outros, como deve ser, e se combinássemos um acampamento de fim de semana gastaríamos tanto tempo a preparar roupinhas e biberões e formas de carregar playstations, que aproveitaríamos o acampamento para dormir. É assim. E é assim que deve ser. No entanto, se não podemos nem devemos regressar ao passado, não o devemos esquecer nem deixarmos de nos orgulhar dele. Basta-me ver as vossas famílias, os vossos filhos, os vossos projetos de vida, a forma como todos, com maior ou menor dificuldade, vão enfrentando as batalhas e as vão tentando ultrapassar, para perceber que tudo vale a pena. A fé que vos tentamos transmitir não pretende ficar confinada a uma manhã de domingo, mas transformar-se em vida vivida. E foi essa vida vivida que, do sossego do meu canto, pude testemunhar no domingo passado. E isso foi muito bom.

Obrigado

Grandes Abreijos

Zé Armando

Enviado ao Navegar depois do Encontro de Domingo

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