Há uns anos, ouvi um aluno a referir-se à sala pequenina do CR como a sala dos anormais. Nunca tinha pensado nisso e, embora os termos não devessem ter sido aqueles, ele não mentia. Aquela era, efetivamente, a sala dos que não são como os outros. Eu, a Maria e o Mi, na realidade, fugimos, cada um à sua maneira, do que é considerado a normalidade. No entanto, sempre achei que a normalidade é muito sobrevalorizada.
Ainda esta semana tentava explicar isto ao meu filho mais novo, que está naquela idade em que quer parecer igualzinho aos amigos. Expliquei-lhe o conceito matemático da moda, que é a variável que mais vezes se repete, e disse-lhe que num mundo cada vez mais igual é muito importante que ele desenvolva a sua personalidade, e que isso é uma mais valia. E que a personalidade está ligada à forma como cada um descobre e aceita a sua própria forma de ser, sem se preocupar em demasia com aquilo que os outros pensam. Disse-lhe também, para seu espanto, que essa era uma das vantagens de eu gaguejar. Ele, que nunca me falou disso, nunca se tinha apercebido que a deficiência pudesse ter uma vantagem, qualquer que ela fosse. E tem algumas.
Naquela salinha do fundo do CR testemunhei alguns dos momentos mais ternos e cómicos que já vivi naquela casa. A inocência da Maria, a sua enorme sensibilidade e, por outro lado, a irreverência do Mi e a sua extraordinária inteligência, ajudam-me a acreditar na multiplicidade da vida e naquilo que é invisível aos olhos. Aquilo que é, para os olhares menos atentos, deficiência, é, na esmagadora maioria dos casos, vida e alegria no seu estado mais puro, sem aqueles entraves e barreiras que nós estupidamente criamos para nossa defesa. Conviver todos os dias com pessoas assim é uma Graça que faz falta a muitas pessoas que conheço, que vivem obcecadas com as suas pretensas e muitas vezes inventadas imperfeições. Pudessem elas testemunhar a alegria natural da diferença, deixassem-se elas contagiar por essa visão menos obtusa do que é perfeito, e a sua vida ganharia muito mais sentido. E aí, só ai, estariam um bocadinho mais perto da perfeição.


Comentários

Mensagens populares deste blogue