Uma das minhas filhas tem uma extraordinária obsessão com ela própria. Como até grande parte da sua adolescência era gordinha, especializou-se em encontrar-se defeitos físicos, nem que para isso recorra àqueles espelhos de aumentar que nos tornam, inapelavelmente, horríveis criaturas de Deus. Ela, por sinal, é lindíssima, muitíssimo inteligente e trabalhadora e com uma capacidade incrível de se voltar para os outros. Não fosse a sua tremenda falta de autoconfiança, e teria tudo para ser e fazer felizes os que têm a sorte de gravitar à sua volta. Assim, dependerá sempre daqueles que lhe ampararão a vida e as escolhas. Os amigos, para ela, são por isso particularmente decisivos: ela é o que eles forem.
Converso muito com ela, tal como com todos os meus filhos. Leio-lhe a alma com muita facilidade, antecipo as suas angústias, elevo-a quando está em baixo, baixo-lhe a crista quando, iludida, pretende ser o que nunca foi nem será, sobretudo porque é muito melhor. O seu futuro aproxima-se a passos demasiado largos e questiono-me muitas vezes se ela estará alguma vez preparada para voar.
Quando os meus filhos eram pequeninos, aprendi a conter o imenso tudo que sentia por causa deles. Contrariar esta minha tendência total e totalizante de os meter numa redoma, de os proteger de tudo e de todos, e frequentemente apanhei-me a raiar a obsessão absolutamente louca de os impedir de viver. Felizmente, lá conseguia sempre respirar e impor-me aquilo que eu ia entendendo ser o melhor para eles. Sempre muito atento, sempre muita em cima, mas sempre fazendo um enorme esforço para manter a aparência da distância e do desprendimento suficientes para que eles se possam sentir autónomos mas nunca desamparados.
Creio que daqui por dois anos, por esta altura, a minha filha estará já fora de casa, a voar. Espero que daqui por dois anos, por esta altura, a minha filha esteja já fora de casa, a voar. Gostava tanto que daqui por dois anos, por esta altura, me pudesse ainda deitar com todos os meus filhos sob o meu teto!

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