Divorciaram-se. Recentemente. Foi um choque para todos. Sabíamos como eles se amaram, como construíram uma vida juntos, como partilharam sonhos e projetos e vidas eternas. Foi um choque e uma lição. Acontece a todos, é o que alguns dizem. Mas eu estas coisas nunca apenas acontecem.
Numa conversa, quis-me contar o que se passara. Não havia infidelidades, nem sequer outra relação, não havia outro projeto de vida, não havia nada que fosse suficientemente forte para acabar com uma relação de tantos anos. Apenas se sentia mal amado. Já não havia o mimo, o cuidado, a atenção quotidiana que sempre tiveram um com o outro. E não fora para isso que se casara. Por várias vezes, deu por si, tolamente, a invejar aqueles casais que via de mão dada no shopping ou na rua. Invejava os gestos de carinho delas, as festas no cabelo, as conversas intimistas, sussurantes, cúmplices. Já não tinham isso há algum tempo e ele sentia-lhes imenso a falta. Também não era cama, o que lhe faltava, mas a intimidade sem o mecanismo, sem o cumprimento de calendário, com a satisfação de que ambos se recordavam com muita saudade! Uma intimidade que andava arredada havia muito tempo e lhes roubava o prazer para além do carnal, que sempre fora o verdadeiro, o motor, sem o qual a satisfação da carne não passa de satisfação meramente fisiológica. Faziam sexo, não amor, e isso era-lhes insuportável.
Não há como me sentir bem, dizia-me, com os olhos arrasados de água. Não há como não me culpar pelo que fui deixando acontecer, pelas vezes em que deixei que o comodismo ganhasse à discussão, em que fui varrendo para debaixo do tapete aquilo que deveria ter sido posto às claras, ainda que discutíssemos, ainda que berrássemos, ainda que nos zangássemos. Deixei que o silêncio se instalasse, que a intimidade se calasse, e fui permitindo que apenas picássemos o ponto, como se fossemos funcionários públicos de uma instituição que tem que ser uma prisão. Não é isto o que eu quero, não foi isto que sonhei, que sonhamos, pelo qual nos batemos tanto. Mas não há sonho ou projeto ou futuro que valha o tremendo desperdício de uma vida desamada.

Vejo, escuto, e tento aprender.

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