Há algo de inquietantemente maravilhoso na amizade. Que pessoas tão diferentes entre si se deixem moldar pelas circunstâncias, que permitam que o acaso primeiro estabeleça e depois fortaleça os laços que os unem, é algo que apenas a Deus está reservado.
Parece-me que, em determinada altura da vida, todos andamos à procura de alguém com quem partilharmos a vida. Parece-me também que esta é uma procura que, de alguma forma, fecha um ciclo, não o abre. Sabemos todos que por vezes as coisas não correm bem e as relações a dois acabam, mas, justamente, acabam quando não correm bem, porque à partida é desejo mútuo que dure a vida inteira. Este é um amor que pede exclusividade, entrega total, que precisa de fechar em si mesmo para que possa ser fecundo. Se quisermos, são duas sementes que se fundem numa só e apenas a partir desta pode ser gerada a vida. Este amor é exigente, construção e construtor, fundamento e fundador, e eu tenho a sorte da vontade de o iniciar todos os dias como se não existisse ontem ou amanhã, com a certeza no entanto que são o ontem e o amanhã que lhe garantem a perenidade e fecundidade.
A amizade é outra coisa. É portas abertas, é janelas abertas, é corrente de ar que permite respirar, que permite o tempo, que aceita conviver com o longe e a distância e ainda assim pode subsistir sem qualquer arranhão. Normalmente resulta mais do acaso que da procura e também por isso é mais livre, ainda que não menos exigente. Quando bem vivida, a amizade não requer exclusividade mas partilha, é o lugar do encontro voluntário, onde cada um apenas (se) dá na medida em que (se) quer dar, e fá-lo voluntariamente, porque escolhe confiar e confia na escolha que fez.
Tenho para mim que o melhor da vida está no fugaz que perdura. Uma conversa que tudo tem para ser banal e depois acampa em nós, uma caminhada curta que nos transforma, uma partilha despretensiosa que se revela absolutamente decisiva, são coisas que encerram em si o modus operandi de um Deus que nos ensina todos os dias que o aparentemente pequeno pode ser, afinal, o mais decisivo. Um Deus que nos ensina a estarmos atentos aos pequenos sinais, às pequenas conversas, aos pequenos momentos que, vistos à distância, são muitas vezes os transformadores. Um Deus que me ensina que um simples almoço numa simples sexta feira pode ser, afinal, o maior dos motivos para dar Graças pelos que Ele vai colocando, cuidadosamente, criteriosamente, no meu caminho.

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