Têm-me dito, ultimamente, com alguma frequência, que me devia dar mais valor. Fazer-me mais caro, dizer mais vezes que não posso, que estou muito ocupado, que têm que arranjar outro alguém para fazer o que querem ver feito. Fazer marketing de mim mesmo, por forma a que os outros me reconheçam como peça fundamental e indispensável.
Tolos. Não me conhecem.
A primeira vez que senti que não queria abdicar de ser eu tinha cerca de doze anos. Como gaguejo, uma professora contactou um especialista de terapia da fala para me por normal. Fui a meia dúzia de sessões, aprendi algumas técnicas, mas percebi que não era para mim. A artificialidade da minha forma de falar tinha implicações na naturalidade da minha forma de ser. Entre ambas, instintivamente ou por comodismo, escolhi a segunda. Ainda bem.
Quando sabiam que eu tinha quatro filhos e que viria mais uma a caminho, ainda por cima nem minha filha era, chamavam-nos tolos. Uma senhora lá da paróquia, por sinal das que batem com a mão no peito, perguntou se não tínhamos juízo, se não sabíamos o que eram anticoncecionais. E quando nos viam na rua com os filhos pequenos havia dois tipos de olhares: ou de satisfação, ou de comiseração. Como era possível, com a vida como está, ter tantos filhos? Só podem ser ricos, ou então da Opus Dei. Nem uma coisa nem outra. Temos pena!
Diziam à boca pequena, pensando que eu, por ser gago, sou também cego e surdo, que estava a alimentar uma relação perigosa. Que não sabia manter as distâncias, que permitia uma proximidade excessiva, que não seria bom para ninguém. Invariavelmente, lembrava-me da história do velho, do jovem e do burro, argumentava contra mim próprio, e persistia no meu caminho, incorporando as dúvidas, procurando as certezas, tendo ambas por companhia quotidiana. Ainda bem!
Quando era miúdo, no bairro, era conhecido por ser o fiel. Pejorativamente, no sentido canino do termo, porque mal a minha mãe me chamava eu largava a brincadeira e ia fazer o que ela dizia. Quando os meus amigos e amigas de brincadeira da infância e adolescência começaram a drogar-se e a prostituir-se continuávamos a  conviver normalmente, falando disso quando me  negava a partilhar as suas escolhas apesar dos convites. A determinada altura apercebi-me que o gozo começou a dar lugar à procura para conversar e aconselhar. De alguma forma, sentia que estava do caminho certo.
Ao longo do meu percurso tive que fazer muitas escolhas. Nem sempre as certas. Raramente as racionalizei, em quase todas elas, no entanto, fui escolhendo ser contra a corrente. Nunca me incomodei muito por isso. Intui sempre que a tentação de agarrar a vida é ilusória. Tentar controlar tudo e todos, se gostam ou não de nós, se somos ou não queridos, se conseguimos ou não ser bem sucedidos nos nossos gestos, é combater contra os moinhos de vento que fazem de nós cavaleiros de trise figura.  E, em boa verdade, também não me tenho dado mal. Normalmente escolho ter fé. é muito mais simples. Basta fechar os olhos e confiar-me a quem me ama.

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