"O suicídio é sempre um assassínio de um outro." Impressionou-me, esta frase. Muito! Talvez porque ao longo da minha vida me tenha deparado com vários suicídios, uns levados a cabo com sucesso, outros fracassados - sintomático, quando o sucesso de algo leva à morte e o seu fracasso conduz à vida! - de pessoas que me eram queridas. À tremenda surpresa do acontecimento sucedia-se sempre a tremenda culpa de não ter estado presente quando era mais necessário. Não importa para o caso se vivia longe, se não tinha a mínima hipótese de saber, se ninguém o suspeitava ou se andava distraído. Importa sim que eu não estava lá. Qualquer que tivesse sido o motivo, eu não estava lá. Para poder conversar, para poder olhar nos olhos, para poder estender a mão e dizer que nada é tão mau que justifique tamanha decisão.

Durante alguns meses não consegui encarar o seu irmão. A notícia da morte atingira-me com uma violência que até então eu desconhecia, ao ponto de quase correr para poder estar junto do seu corpo, apesar do seu corpo ser já apenas um corpo, vazio de vida, abandonado pela vida a que ele próprio havia posto um fim. Alguns anos antes ajudáramos, juntos, o seu irmão a aprender a tocar os primeiros acordes numa guitarra. Nessa altura passávamos imenso tempo juntos, a tocar e a cantar, a descobrir novas músicas num tempo em que não existia ainda a internet, e a descobrir novas vozes que ficassem bem. Depois veio a vida, a minha e a dele, e tudo pouco passava de um cumprimento de vez em quando, e a notícia da sua morte me atingiu em cheio. Uns meses depois, o seu irmão apareceu em minha casa. De surpresa. Para minha surpresa. Aquela culpa de não ter estado presente continuava bem viva e, pensava eu, era mutuamente sentida. Com aquela conversa libertei-me de uma boa parte dessa culpa. A restante permanece, juntamente com tantas outras!

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