"Tu ouves-te quando me dizes o que dizes?"

não. nem sempre. e essa é apenas parte da questão. porque quando a guarda baixa, nem sempre o que me sai da boca passou pelos devidos lugares. não foi devidamente processado, sai diretamente do coração, ou da alma, ou, sei lá, de onde saem aquelas coisas que sentimos, e não passou pela cabeça, pelo cérebro, pela razão, esse garante que o que te digo hoje dir-to-ei da mesma forma amanhã. ou depois.
não. nem sempre ouço o que digo. sei que ressoa sempre, sei que fica sempre, cá por dentro, a matutar, a maturar, e que muitas vezes descubro-lhe apenas o sentido muito tempo depois de o ter dito. e que por vezes até gosto do que disse. e que noutras gostaria de não o ter dito mas é tarde demais. é sempre tarde demais quando me descubro no reflexo que projetei em ti. seria muito melhor, e mais fácil, e mais seguro, que reencontrasse o meu reflexo apenas depois de passado pelo crivo do que deveria ser. mas tu tens isso. pões-me à vontade, subtrais o medo e deixas que me instale. ajeitas-me as almofadas, se for preciso, e às tantas fecho os olhos e deixo-me ir. o conforto tem destas coisas. a confiança também. faz-me sentir seguro, arrojado, deixa que eu vá, simplesmente, sem me sentir arrastado ou questionado mas tão só aceite. assim. tal como sou.
a exuberância do silêncio contrapõe-se apenas à frugalidade dos gestos, contidos, discretos, atreitos aos mal-entendidos que ambos dispensamos. mal-entendido por mal-entendido, preferimos o da palavra, que ecoa, que permanece, nos seus múltiplos sentidos e (in)convenientes leituras. cedo descobrimos que não há intimidade maior que a do silêncio que confere sentido à palavra. tudo o resto são manifestações, confirmações que não precisamos ter quando o mais importante já foi dito. e sentido.

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