Foi mais ou menos na mesma altura, teria cerca de 14 anos, que duas leituras me marcaram e desde então me fizeram companhia: o livro de Job e o Cântico Negro. Na altura foram mais sentidas que entendidas, até porque tanto num caso como noutro, tinham muito de incompreensivelmente belo mas imensamente sedutor, tocando numa interioridade que, naquela fase da vida, estava muito longe de sequer imaginar que existia. Do Cântico Negro, que ouvi a primeira vez sublimemente recitado pelo meu extraordinário professor de Português do 9º ano - e que nunca mais ouvi da mesma maneira! - retive toda a raiva incontida, toda a agressividade, todo o desdém que decorre da inevitabilidade de se percorrer um caminho, que é o único, apesar de todas as dúvidas, de todas as contrariedades, de todos os medos, de todos os bons conselhos, de todos os dedos apontados. De Job, aprendi a confiança, até ao limite, contra todas as evidências, contra todos os dedos apontados, contra todos os bons conselhos, num Deus que me ama e que apenas quer o melhor de mim, porque apenas no melhor de mim encontro alguma paz. Entender a obstinação de um ajudou-me a perceber a minha própria obstinação; entender a tranquilidade do outro, ajudou-me a abandonar-me confiadamente, sobretudo quando já não tinha forças para mais. Um ajuda-me a perceber o que vou sentindo; outro ajuda-me a domar o que vou sentindo. Um e outro, em determinadas alturas, digladiam entre si, por vezes num tremendo rebuliço, que ecoa incessantemente e me rouba o silêncio. Noutras, porém, lá se conseguem entender, percebendo que há lugar para ambos, desde que sejam suficientemente cavalheiros para cederem a passagem conforme as necessidades. Esses são os meus dias bons, aqueles em que me percebo, em que sinto que por vezes até faço sentido.

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