Sinto-me sempre abençoado quando me apercebo do grito que pode ser na minha vida um acontecimento ou um testemunho aparentemente menor.
Hoje, numa deliciosamente curta conversa com uma das minhas filhas, ela disse-me que não se vê nada numa vida competitiva. Que as suas espectativas vão muito mais no sentido de se empenhar na sua profissão mas conciliá-la com a família que ela tanto deseja, que a aposta numa carreira profissional de sucesso. Ao dizer-me isso revelou-me uma serenidade que me deixa mesmo feliz. E confirmou até que ponto somos parecidos.
Lembro-me sempre da única vez em que comprei um carro novo e algo potente. Ia na autoestrada e, com a estupidez tão tipicamente masculina, pus-me a conduzir depressa apenas porque podia. Às tantas apercebi-me de como estava tenso, - eu que gosto tanto de conduzir, ao ponto de me servir de terapia de relaxamento - reduzi a velocidade para a minha zona de conforto, e usufrui, aí sim, das potencialidades daquele carro.
Como invariavelmente me acontece com coisas nenhumas, esse acontecimento habitou-me durante muito tempo! Recordo-me  de pensar que aquela tinha sido uma das primeiras vezes que deixei de fazer alguma coisa apenas porque podia. Até aí, puto de bairro, apenas o que me era exterior me limitava - a falta de dinheiro, a falta de conhecimento, a falta da educação - mas aquela fora a primeira vez em que eu próprio me tinha imposto um limite. À luz daquela decisão revi alguns dos acontecimentos da minha vida e constatei que por várias vezes, nas várias profissões por onde tinha passado, não me tinha conseguido impor esse mesmo limite. Sempre começara por baixo e sempre fora por aí acima, até cargos cada vez mais próximos do topo. No entanto, sem que na altura me apercebesse, a partir de determinada altura a pressão do sucesso tomava o lugar do gozo no que fazia e daí até ao descalabro era um pequeno passo. Aqueles, poucos, minutos de condução, ensinaram-me mais de mim que outros acontecimentos aparentemente mais relevantes.
Fui aprendendo a não subestimar o impacto das pequenas coisas.
E a dar Graças por elas.

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