Aqui há uns tempos disse a uma amiga que poderia morrer porque tinha a sensação que tinha cumprido a minha vida. Não é que me apeteça morrer, ou que ache que nada mais tenho a fazer. Nada disso. É que já fiz um filho, já plantei uma árvore e, se não escrevi livros, farto-me de o fazer por essa blogosfera fora.
Sinto muitas vezes que a minha vida tem enredo suficiente para poder ter sido muitas vidas. E tem-no, efetivamente. Frequentemente, questiono-me o que seria a minha vida se, em vez de ter virado à esquerda o tivesse feito á direta; se, em vez de dizer sim, tivesse dito não; se, em vez de me atirar de cabeça, tivesse tido mais juizinho, como tantos me pediam. Por várias vezes estive próximo do abismo, por várias vezes estive os píncaros, por várias vezes habitei a lua, nos lugares mais improváveis para um puto de Contumil. Ainda esta semana, enquanto me deliciava na Casa da Música, pensei nisso: quem diria que um miúdo meio amedontrado, meio abismado, estaria, naquela altura, numa sala daquelas, num concerto daqueles, e a sentir o gozo que sentia.
Noutro dia desta semana, em conversa com uma amiga (as vezes que eu converso com amigas!) falava do que me impediu de continuar na Carrinha Amarela. Naquela noite, dar o pão e o leite quente a quem comigo brincou em miúdo, a quem comigo partilhou risos e sonhos e estava agora do outro lado da contenda, foi demasiado para mim. Apesar de me custar vê-lo ali naquela situação, aquilo com que não consegui lidar foi com o facto de ter a plena consciência que os nossos papéis poderiam, facilmente, estar invertidos: mais uma vez, bastar-me-ia ter dito sim quando disse não, ou qualquer coisa desse tipo.
Também por esta consciência sempre presente, guardo com muito carinho muitos momentos que vão definindo o que a minha vida vai sendo: uma viagem memorável a Taizé, um terraço com uma enorme lua, uma noite em claro a discutir... e a reconciliar... um retiro, um convívio... a todos esses momentos está ligada uma redescoberta da vontade e da alegria de viver e de amar; a todos esses momentos está ligada uma enorme nostalgia; a todos esses momentos fica para sempre ligada a incerteza do que seria a minha vida hoje se os meus passos tivessem sido outros.
Quaisquer que eles fossem!

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