20140606
Nunca fui capaz de conceber uma felicidade de sentido único. Talvez por fugir ao que, à partida, era esperado de mim, ligo muito pouco ao determinismo e intui sempre que apenas a nós nos cabe a responsabilidade da escolha. E que essa escolha é feita de muitos caminhos.
Conheço muitos miúdos que acreditam que o seu futuro está definido. De um e do outro lado das margens da sociedade, curiosamente. Uns acreditam que o facto de terem nascido num bairro social lhes barra o futuro; outros, no entanto, vivem com um sentimento de impunidade que lhes advém dos lugares que lhes estão reservados nos escritórios dos pais e dos avós. Ambos estão, no entanto, profundamente enganados!
Marcou-me uma conversa de um miúdo com quem fui a Taizé. Dizia-me ele que o seu futuro estava completamente definido: presidente da associação de estudantes do colégio, presidente da associação de estudantes da católica, lugar de destaque nos jotas, deputado pouco depois. Confesso que tremia de cada vez que pensava que os destinos do que quer que seja pudessem estar confiados a uma pessoa assim. Há cerca de quinze dias voltamos a estar juntos. Veio cumprimentar-me, já bem bebido, como é seu hábito. Perguntei-lhe como estava a vida e ele respondeu que tinha sido "convidado a sair" da católica e estava numa outra faculdade, agora. Confesso que suspirei de alívio ao perceber que o seu futuro, afinal, não passaria pelo governo da coisa pública.
Na outra margem, sou amigo de um ainda miúdo que, quando era pequenito, eu dizia que tinha tudo para ser psicopata. A quantidade e qualidade de disparates era tanta que eu não conseguia ver outro futuro nele. Tonto! a vida encarregou-se de me desmentir e ele hoje é uma das pessoas que admiro e com quem tenho o privilégio de aprender muito todos os dias. A forma como fala com os miúdos, como os respeita e não desiste e a forma como eles o respeitam sem necessitarem de berros tem-me ensinado bastante. Está agora a terminar o 12º ano e pensa em ir para a faculdade. Quem diria!
Trabalhar nos lugares onde trabalho está-se a tornar uma inesperada escola de vida. Poder lidar, no mesmo dia, todos os dias, com ambas as franjas de uma sociedade que teima em ser madrasta permite-me ter uma visão suficientemente realista para poder fazer algo para que ambos os lados se encontrem em algum lugar mais profundo.
Ainda estou a tentar ler, a tentar apender, a tentar descortinar o que hei de fazer e como o hei de fazer. Sei que tenho tempo. Não estou de passagem.
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