Nem de propósito! Queixava-me eu que precisava do belo e ontem tive a rara oportunidade não só de o ver como de o sentir a envolver todos os meus sentidos. Fomos à Casa da Música assistir ao espetáculo com o Rodrigo Leão e o Olafur Arnalds. Se já conhecia e sou profundo admirador do primeiro - daí este presente de Natal da minha mais-que-tudo - o segundo foi uma extraordinariamente agradável surpresa.

Ás tantas, enquanto escutava aquela gestão do silêncio, perguntava-me porque não fazíamos estas coisas mais vezes: um bom jantar, um bom namoro, um bom espetáculo, e saímos renovados na nossa humanidade. Por vezes deixamo-nos enredar no quotidiano, numa emaranhado de compromissos connosco e com os outros que esquecemos que estas coisas também .nos trazem humanidade. Não chegam, é certo, mas contribuem para que demos Graças pelo que somos.

Recordo-me de um extraordinário filme sobre a Segunda Guerra que começa justamente por um quarteto de cordas a tocar numa vila destroçada. Sempre me inquietou o facto de o povo mais culto da Europa ter dado início às duas guerras mundiais. Mais: ter permitido a tremenda barbárie do Holocausto. Muitos deles escolhiam não saber, olhavam para o outro lado, esforçando-se por ignorar a desgraça que acontecia às suas portas. Foram cedendo, deixando-se envolver, deixando-se cozinhar em lume brando como a rã. E quando foram acordados, quando foram forçados a encarar a realidade, a própria realidade encarregou-se de os esmagar sob o peso da culpa.

Sempre que ponho os meus óculos novos, penso que estou a por os óculos de ver, por contraposição dos antigos, mais fracos, que são apenas de olhar. Temo muito ser cozinhado em lume brando pela vida necessariamente passageira e fugaz do quotidiano. Temo desperdiçar o dom que me foi dado, de correria em correria, de sofreguidão em sofreguidão, deixando de saber apreciar o belo, de tão envolvido no imediato. Por outro lado, acredito ser fundamental o envolvimento na vida, nos problemas e nas questões dos outros, que exigem uma ação contínua e imediata e não se compadece com desvios ou artificialismos.

Algures, entre uma margem e outra, encontrarei a sabedoria de viver.
Algures, entre uma margem e outra, encontrar-me-ão.
Espero que feliz.

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