Dizia hoje a uma amiga que ela estava a falar com o rei da sublimação.

Há dias assim, em que os acontecimentos se encadeiam uns nos outros, como se fossemos instrumentos de uma sinfonia conduzida por uma maestro atento a cada um de nós. Hoje de manhã, ao pequeno-almoço, o João, o meu filho mais novo fez-me pensar no passado. Nessa viagem que fiz num tempo que era simultaneamente curto e longo, pesei vários acontecimentos provocados por várias decisões que tomei e que tiveram implicações graves tanto para mim como para aqueles que me amam. Questionei se hoje as voltaria a tomar, sabendo das suas consequências para todos nós e surpreendi-me ao pensar que talvez voltasse a repetir os mesmos erros. Não porque não tenham tido importância ou repercussões sérias, não porque não me sinta mal por causar mal, e estou muito longe de pensar que as minhas decisões foram as melhores. Teria que ser maluco ou muito inconsciente para o fazer e (já) não o sou.

O que acontece é que a questão de fundo não é essa. A questão de fundo é que as decisões que tomei naquela altura e naquelas circunstâncias estiveram em sintonia com quem eu verdadeiramente sou, com todas as imensas falhas, com todos os imensos defeitos que fazem parte de mim. Eu sou assim. Intrinsecamente assim. Por isso, se aquelas circunstâncias se voltassem a repetir o mais provável é que as minhas decisões seriam as mesmas. Até porque na altura foram devidamente pensadas e assumidas.
Naturalmente, acredito muito na nossa capacidade de mudarmos, de nos irmos aperfeiçoando à medida que o tempo passa e vamos deixando que a sabedoria vá tomando conta de nós. Contudo há uma parte de nós que por muito que nos esforcemos continua a ser aquela que nos define, que faz de nós quem realmente somos, que faz com que eu seja este Zé e não um outro Zé qualquer. E naquela longuíssima viagem que empreendi no curtíssimo tempo do pequeno-almoço tive a alegria de sentir que, pelo menos, tinha sido eu, que não me tinha "vendido", que os meus defeitos são meus.

Não é fácil aceitar-me tal como sou. Não é fácil tentar integrar em mim um passado que muitas vezes preferia que não tivesse acontecido, umas circunstâncias que gostaria que tivessem sido outras, uma infância que pretendia mais feliz, um todo outro que, contudo, não é o meu. Não é fácil. Ainda hoje passo algum tempo no meu "sótão" a lidar com velhos fantasmas, a remexer em gavetas e a tentar ver o meu presente integrando o meu passado. A tentar assimilar todas essas peças tentando fazer um puzzle que dê lugar a algum futuro. Tenho a sorte de estar rodeado de muitas pessoas que me dão o tempo, o apoio, o carinho necessários para que eu me possa arrumar.

Ao mesmo tempo, contudo, a sensação profunda que tenho é que nada disto é realmente importante. O meu Deus, Aquele no qual acredito e amo é justamente Aquele que chamou Zaqueu sem lhe perguntar pelo passado, restaurou a dignidade à Samaritana mesmo conhecendo o seu passado, e que, acredito, me acolherá querendo saber para onde quero ir sem me perguntar de onde eu venho.

Tal como dizem os brasileiros: "quem vive de passado é museu."

Assim seja ;-)

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