20111031
À medida que o tempo passa - e como eu gosto da sensação que o tempo passa! - vou sentindo que aquilo que me seduz na vida vai sendo diferente. Estou numa fase em que aprecio muito a calma, a paz, a serenidade. Não que as tenha agora em maior ou menor quantidade que antes, apenas as aprecio melhor, as saboreio melhor.
O novo livro do José Tolentino Mendonça começa justamente com essa calma, essa serenidade. Depois de ler as primeiras linhas fechei-o por não conseguir conciliar o que me ia na cabeça com o que lia. Acontece-me muito isso, particularmente com os bons livros que, apesar se por vezes terem poucas páginas, são os que me levam mais tempo a ler... e a degustar, como um bom Porto. A interrogação maior que me assaltou logo naquelas linhas - e que ainda agora vai vagueando cá por dentro - é o que me impede de, nesta altura, sentir aquele tipo de paz, de harmonia: se o meu interior, se o meu exterior.
A resposta não é difícil, mas incomoda.
20111026
Uma das coisas que aprendi em Moçambique foi que o meu olhar por vezes incomoda. Nunca tinha pensado nisso dessa forma. É certo que para mim o primeiro impacto das pessoas está sempre ligado aos seus olhos, se sorriem, se têm vida, se são vazios, alegres ou baços. É natural, por isso, que tenda a olhar fixamente para as pessoas, que tente ler nos seus olhos o que lhes vai na alma. Para mim o olhar é o mais claro indicador da beleza de uma pessoa, e para o caso nem sequer é importante se é homem ou mulher. Há olhares que me despertam logo à partida para um tipo de beleza interior que transborda e torna todo o exterior mais especial. Outros, porém, não me dizem nada, e costumam ser fatídicos: pessoas com olhares mortiços têm que se esforçar muito para me agradarem. E há também olhares frios, absolutamente gélidos, que me intimidam sempre, que me levam a pensar meia dúzia de vezes antes de dizer o que quer que seja, com cujos donos tento ser cordial mas de quem não sou amigo. A não ser que se transformem.
Ainda ontem, numa animada conversa com as minhas filhas - uma pró-praxe e outra que não tinha pachorra para aquilo - eu lhes dizia que nunca aceitaria ser praxado na faculdade porque nunca aceitaria não olhar as pessoas nos olhos. Para além de não perceber a barbaridade das humilhações públicas - algo com o qual seria impossível compactuar, nem sequer por omissão - nunca na vida me senti de tal forma subalterno que não pudesse olhar ninguém nos olhos. Mesmo quando cometo as maiores camelices, mesmo quando sei que não tenho razão, mesmo quando tenho que pedir desculpa, é absolutamente fundamental olhar nos olhos de quem magoei. Porque só assim consigo transmitir até que ponto necessito do seu perdão.
20111025
Lá tenho eu que voltar aqui.
Já me falta pouco para acabar o livro e como história não é grande coisa. Curiosamente, acho-o bem mais útil como manual de bíblia que como ficção. A sensação que tenho é que José Rodrigues dos Santos empenha-se em demasia em justificar as ideias do Tomás perante uma demasiado crédula Valentina que nunca se preocupou em pensar a sua fé. Realmente, creio que uma católica um bocadinho mais afirmativa, mais convicta da sua fé, menos cabeça de vento e menos maria-vai-com-as-outras, que pudesse dar alguma luta ao historiador - não tanto na informação mas nas conclusões que tira a partir delas - apenas enriqueceria a história. Provavelmente estragaria a leviandade do Tomás Noronha, mas um bocadinho de contraditório enriquece-nos sempre, e aquelas constantes interjeições dela tiram-me do sério. É preciso nunca ter pensado a sério em Jesus e na fé que se professa para se espantar com o facto de ele ser judeu.
Mas também não se pode exigir muito ao autor porque provavelmente os católicos que ele conhece são justamente aqueles que, quando muito, vão à missa ao domingo, e nunca se comprometeram a sério com a sua fé. Não que isso seja defeito para ninguém - aliás, ser cristão também não é virtude, é escolha - mas sempre é mais permeável quem vive na superfície.
Contudo, apesar de, mesmo eu, com toda a minha ignorância na matéria, conseguir identificar alguns (para não dizer muitos) erros crassos a olho nu e sem grande esforço, não tenho gostado do processo de intenções que alguma igreja tem levantado. Nem acredito que o José Rodrigues dos Santos tenha qualquer intenção de ferir susceptibilidades, ou dizer mal seja quem for - embora termos como "fraude" sejam demasiado fortes e desnecessários e apenas contribuam para o aumento do "ruído", mas enfim.
Acredito que aquilo que, por via do Tomás Noronha, o autor escreve, resulta mesmo da sua convicção que fez uma importante descoberta que a Igreja e os teólogos em particular se empenharam a esconder, e isso anda muito longe da verdade. O que é um facto é que eu próprio me perguntei algumas vezes porque nunca houve um empenho maior em divulgar estas informações. Sei que seria complicado, mas no limite contribuiria para o desenvolvimento de uma fé madura, mais consciente e menos superficial. E evitaria que agora tivéssemos que justificar em vez de explicar a verdade com calma e com tempo.
20111022
Comecei ontem a ler o Último Segredo, do José Rodrigues dos Santos. Li já quase todos os livros dele, faltando-me apenas, por falta de tempo, O Anjo Branco. Gosto muito do seu estilo, que me torna sempre dependente ao ponto de pegar nos seus livros e apenas os deixar quando os acabo. Aprendo sempre alguma coisa, também porque gosto da pesquisa que ele faz e da forma como a mistura com a história. Para mim é uma espécie de Dan Brown para melhor, com mais rigor, com melhor escrita, com uma maior mestria na gestão das suas histórias. Não o considero, contudo, um grande escritor, daqueles profundos, que nos mexem cá por dentro, que tem a capacidade de nos pôr a questionar as nossas opções de vida.
Este O Último Segredo retoma o tema dos documentos e conclusões supostamente escondidas pelo Vaticano, cheio de organizações super secretas compostas sempre por católicos obscuros que podem contar com um sanguinário que está disposto a obedecer a alguém em nome da fé cega numa qualquer instituição. Os acontecimentos sucedem-se a partir de uma qualquer medo que uma suposta verdade seja finalmente revelada e que faça com que a Igreja se desfaça como um castelo de cartas.
Creio que faria muito bem a estes escritores - e, por maioria de razão, a muitos católicos que entram em frenesim com estes livros - que fizessem um bom curso de catequese ou uma licenciatura em Ciências Religiosas antes de se darem ao trabalho de escreverem estes livros ou de panicar com eles. Uma boa meia-hora com o Prof. Franklin e a primeira coisa que com certeza aprenderiam era a desmistificar a Bíblia com todos os seus números e enredos históricos e ironias e histórias chocantes e milagres e palavras que significam algo de muito diferente, que antes de serem escritas foram contadas por pessoas do seu tempo - e um cristão tem que viver sempre no seu tempo, caso contrário é um lunático - com a sua cultura, com a sua própria circunstância, com a sua forma de ver as coisas, com o seu olhar particular sobre o mundo, porque eram justamente isso: pessoas, que por vezes até o faziam no meio de verdadeiras crises de fé.
Não ver a Bíblia como tendo sido escrita por pessoas - inspiradas por Deus, é certo, mas que eram fundamentalmente pessoas - é não perceber nada de Jesus Cristo, é não perceber que Deus se fez homem, pessoa simples de entre as pessoas simples, justamente para nos ensinar que é na medida em que conseguimos abraçar essa radical simplicidade, é na medida em que conseguimos ser-para-os-outros e viver uma vida de serviço, que justificamos a humanidade que nos diviniza.
Enquanto teimarmos ver a Bíblia como um livro sagrado, intocável, inquestionável, fundamentalista, enquanto nos negarmos, nós próprios, a mergulhar de espírito aberto nas suas páginas, sujeitamo-nos a que venha um qualquer profeta dos tempos modernos e nos consiga dar a volta em duas penadas. O que já seria grave se quem ficasse a perder fosse "apenas" o próprio. O que acontece muito, infelizmente, é que a confusão se gera normalmente entre aqueles que têm a responsabilidade de testemunhar, na vida vivida, o Deus no qual acreditam.
E aí quem fica a perder somos todos nós.
20111020
Dizia hoje a uma amiga que ela estava a falar com o rei da sublimação.
Há dias assim, em que os acontecimentos se encadeiam uns nos outros, como se fossemos instrumentos de uma sinfonia conduzida por uma maestro atento a cada um de nós. Hoje de manhã, ao pequeno-almoço, o João, o meu filho mais novo fez-me pensar no passado. Nessa viagem que fiz num tempo que era simultaneamente curto e longo, pesei vários acontecimentos provocados por várias decisões que tomei e que tiveram implicações graves tanto para mim como para aqueles que me amam. Questionei se hoje as voltaria a tomar, sabendo das suas consequências para todos nós e surpreendi-me ao pensar que talvez voltasse a repetir os mesmos erros. Não porque não tenham tido importância ou repercussões sérias, não porque não me sinta mal por causar mal, e estou muito longe de pensar que as minhas decisões foram as melhores. Teria que ser maluco ou muito inconsciente para o fazer e (já) não o sou.
O que acontece é que a questão de fundo não é essa. A questão de fundo é que as decisões que tomei naquela altura e naquelas circunstâncias estiveram em sintonia com quem eu verdadeiramente sou, com todas as imensas falhas, com todos os imensos defeitos que fazem parte de mim. Eu sou assim. Intrinsecamente assim. Por isso, se aquelas circunstâncias se voltassem a repetir o mais provável é que as minhas decisões seriam as mesmas. Até porque na altura foram devidamente pensadas e assumidas.
Naturalmente, acredito muito na nossa capacidade de mudarmos, de nos irmos aperfeiçoando à medida que o tempo passa e vamos deixando que a sabedoria vá tomando conta de nós. Contudo há uma parte de nós que por muito que nos esforcemos continua a ser aquela que nos define, que faz de nós quem realmente somos, que faz com que eu seja este Zé e não um outro Zé qualquer. E naquela longuíssima viagem que empreendi no curtíssimo tempo do pequeno-almoço tive a alegria de sentir que, pelo menos, tinha sido eu, que não me tinha "vendido", que os meus defeitos são meus.
Não é fácil aceitar-me tal como sou. Não é fácil tentar integrar em mim um passado que muitas vezes preferia que não tivesse acontecido, umas circunstâncias que gostaria que tivessem sido outras, uma infância que pretendia mais feliz, um todo outro que, contudo, não é o meu. Não é fácil. Ainda hoje passo algum tempo no meu "sótão" a lidar com velhos fantasmas, a remexer em gavetas e a tentar ver o meu presente integrando o meu passado. A tentar assimilar todas essas peças tentando fazer um puzzle que dê lugar a algum futuro. Tenho a sorte de estar rodeado de muitas pessoas que me dão o tempo, o apoio, o carinho necessários para que eu me possa arrumar.
Ao mesmo tempo, contudo, a sensação profunda que tenho é que nada disto é realmente importante. O meu Deus, Aquele no qual acredito e amo é justamente Aquele que chamou Zaqueu sem lhe perguntar pelo passado, restaurou a dignidade à Samaritana mesmo conhecendo o seu passado, e que, acredito, me acolherá querendo saber para onde quero ir sem me perguntar de onde eu venho.
Tal como dizem os brasileiros: "quem vive de passado é museu."
Assim seja ;-)
20111019
Tenho alturas em que sinto claramente que Deus tem os olhos postos (também) em mim.
Quem me conhece de perto, mesmo de perto, sabe que tenho uma grande tendência para me armar aos cucos. Que quando as coisas me correm bem por muito tempo, quando vou tendo algum sucesso, algum reconhecimento,começo a embarcar em mim, a ficar cheio de mim e a dar espaço à arrogância. Como estou rodeado por pessoas que me conhecem bem, autênticos grilos falantes, sou muitas vezes corrigido, mas o verdadeiro perigo é quando não ligo patavina ao que me vão dizendo. Às tantas estou mesmo obcecado com a minha própria visão das coisas e não consigo ver um palmo para além do meu nariz, ou do meu enorme umbigo.
É nestas alturas, justamente nestas alturas, que sinto que Deus intervém na minha vida. E quase nunca de uma forma agradável. Normalmente actua através de um qualquer acontecimento que me faz cair em mim, ver as minhas enormes limitações, e assumir que preciso de um bom banho de humildade.
Foi isso que aconteceu entre ontem no final da tarde e hoje de manhã. O meu grilo falante alertou-me para a forma como falei, demasiado senhor de mim, demasiado arrogante, demasiado certo do meu ponto de vista. Acusei o toque e fiquei a remoer cá por dentro, como sempre, aliás.
Hoje acordei com uma má notícia no e-mail e pensei no que acontecera ontem. Alguns dirão que não tem nada a ver, que foi coincidência, que um caso não tem nada a ver com o outro. É uma forma de ver as coisas. Não é aquela que eu escolho. Eu escolho tentar ver a minha vida, o que me vai acontecendo, de bom ou de menos bom, como fazendo parte de um caminho. Que precisa muitas vezes de ser corrigido, que precisa sempre de ser afinado, que preciso, eu próprio, de me colocar em sintonia com o que o Pai espera de mim. Não é uma questão de superstição do tipo: se me portar bem terei apenas coisas boas. Não é isso. É tentar ver a minha vida com os olhos de Deus.
Porque sei que quando não sou capaz de o fazer, a minha vida é bem mais feia.
E não é para isso que sou cristão.
20111016
Apesar de ambos nos amarmos, sabemos que somos diferentes. Muito diferentes.
Num dia destes, enquanto via - via efetivamente, não lia - o que vou colocando nos meus blogues, dizia-me que eu parecia um adolescente, com questões que já não deveria ter na minha idade, com tentativas de respostas que já não deveria dar.
Sorri, como sorrio sempre que me faz esse tipo de críticas. E respondi como sempre respondo, com a verdade mais lapaliciana que conheço e mais digo porque é frequentemente esquecida: tudo tem custos. Se queres alguém na tua vida que dê um pouco de ar fresco à enorme seriedade e responsabilidade que usas em toda a tua vida, tens necessariamente que lidar com algumas infantilidades fora de tempo e de moda.
Será esse, possivelmente, um dos nossos "segredos". Somos ambos muito diferentes, fizemos percursos quase opostos até que a vida - Deus? - nos colocou frente a frente. Desde esse dia, ainda que por vezes fisicamente longe um do outro, nunca mais concebemos uma vida a solo: começou por ser um dueto, depois um trio, e agora anda perto de uma banda filarmónica. Conscientemente, nunca deixamos que a solidão tomasse conta de nenhum de nós, de nenhum dos nossos, e vamos revezando-nos mutuamente no apoio que, alternadamente, vamos precisando e pedindo sem pedir.Durante as muitas vicissitudes que a vida se encarregou de nos apresentar lá fomos conseguindo dar colo umas vezes, pedir colo noutras, e refugiarmo-nos no colo do Pai quando estávamos ambos demasiado cansados para suportar o que quer que seja. `s vezes é fácil entendermo-nos, noutras, porém, temos que recorrer a uma enorme lupa, uma lanterna bem potente e doses incomensuráveis de pachorra para conseguirmos deslindar um ponto em comum. Mas lá vamos conseguindo, às vezes sabe Deus como, mas lá vamos conseguindo. E o gerúndio aqui é absolutamente fundamental porque um casamento nunca se consegue definitivamente, nunca há aquela altura em que nos sentamos no sofá, descalçamos os sapatos e nos instalamos na vida com a sensação que agora tudo está conseguido, nada poderá estragar o esquema. No dia em que ambos fizermos isso, o céu cair-nos-à em cima da cabeça.
Mas como dizem numa velha aldeia gaulesa a norte da Armórica: amanhã não vai ser a véspera desse dia.
20111014
Ontem, depois de ouvir o discurso do Primeiro Ministro, fui estudar. O dia fora enorme e intenso, às 21.30 tinha duas reuniões ao mesmo tempo - uma do jornal da paróquia outra da Pastoral Familiar - pelo que não tinha tempo a perder: ainda poderia aproveitar uma boa meia-hora. No meu livro de Teologia Espiritual - é a cadeira do momento - tinha algo assim: "Neste processo de transformação a fidelidade do crente é posta à prova: crer, na total escuridão; amar, no abandono; esperar, contra toda a esperança."
Bingo!
Pensei imediatamente naquilo que ia lendo no twitter à medida que ia estudando, os ecos do discurso, o desespero de algumas pessoas, a falta de lata de outras, a prontidão com que muitas se dispuseram a insultar o nosso Primeiro e a mãe dele, a convocação para inúmeras manifestações. Pensei que enquanto estava essa malta toda a vociferar contra a situação - é um direito que se lhes assiste - estava eu a aproveitar uma folga para estudar depois de um dia intensíssimo que só terminaria depois da uma da manhã. Pensei que se trabalhasse mais meia hora para além do meu horário de trabalho passaria a sair bem mais cedo, a ter fins de semana de dois dias e mais tempo livre, o que nem era assim tão importante porque adoro o que faço. Pensei que o melhor era voltar ao estudo e ao trabalho porque o tempo urge e é necessário é batalhar pela vida e não esperar que a vida tome conta de nós.
Sei bem que há pessoas a passar por enormes dificuldades. Que há muitas famílias a quem sobra mês no fim do dinheiro, que há pais e mães no desemprego e em desespero porque não têm onde conseguir dinheiro para dar de comer aos filhos. Sei-o porque contacto com eles, falo com eles todas as semanas, conheço os seus filhos e já decorei as suas caras de fome e roupas esfarrapadas. Mas nunca os vi em qualquer manifestação e muito menos a faltar ao emprego para ir fazer berrarias. O seu maior desejo, nesta altura, era ter um trabalho, era poderem trabalhar mais meia hora, ou uma, ou meia dúzia, que lhe restituíssem a dignidade de poder voltar a sustentar a família.
É duro, eu sei.
Lidei durante muitos anos com empresas e empresários, com exploradores de mercedes cuja falta de escrúpulos envergonharia qualquer ditadorzeco africano. Conheci alguns que não pagavam salários alegadamente por falta de dinheiro mas faziam gala em exibir aos funcionários as fotos das férias paradisíacas. Conheci também maus funcionários, que faziam tudo para não fazerem nada, sempre com esquemas para sacarem mais dinheiro ao patrão, à segurança social, ao diabo a quatro. Nesse meio já vi de tudo, já tive que engolir de tudo, já me revoltei contra tudo e não tenho ilusões.
Por isso nesta altura apenas tenho pena dos que querem efectivamente trabalhar e não conseguem.E esses andam demasiado ocupados a procurar trabalho, nem que seja em biscates, e não têm nem tempo nem dinheiro para manifestações.
Tenho dito
20111011
Detesto as ligações, às claras ou não, de alegria, festa, divertimento, com o álcool. Quando a minha filha chegou à faculdade teve que levar com n avisos da minha parte a alertá-la para esse verdadeiro flagelo. Ainda na semana passada, enquanto ouvia mais um podcast do "O Amor é", o Prof. Júlio Machado Vaz falava nisso, no perigo do álcool institucionalizado, de tal forma enraizado na nossa sociedade que tudo o que é importante tem que ser bem "regado" porque senão não fica baptizado como deve ser.
Apesar de gostar de beber, com muita moderação, não posso com bêbados. Acho verdadeiramente inacreditável as cenas degradantes das praxes e da Queima das Fitas, das noites, onde malta nova se arrasta e se deixa arrastar porque bebeu uns copos a mais. É um negócio com uma margem de lucro verdadeiramente inacreditável onde as pessoas ganham verdadeiras fortunas à custa da miséria e do descontrolo alheio.
Todos os sábados levanto-me bem cedo para ir levar uma das minhas filhas à GNR do Porto para a equitação. A quantidade de copos de plástico e de lixo e de garrafas partidas e de coisas vomitadas naquela zona àquela hora é revoltante. Por todo o lado, naquela zona, àquela hora, vemos restos de tudo, absolutamente tudo, porque os meninos e meninas nem sequer se dignam a enfiar o seu próprio lixo nos sítios adequados para o efeito. Por todo o lado, naquela zona, àquela hora, vemos um batalhão de funcionários a varrer tudo, a lavar tudo, numa operação que, calculo, não deve ficar nada barata.Por todo o lado, naquela zona, àquela hora, vemos colegas a arrastarem outros colegas perdidos de bêbados, miúdos e miúdas que ainda deviam estar ainda sob a alçada dos pais nas cenas mais degradantes e mais nocivas para a sua própria saúde.
Eu, que até gosto de um bom vinho, de uma boa aguardente, ou de um bom single malt, não consigo perceber como ninguém se preocupa em acabar com este verdadeiro flagelo.
Não posso com bêbados. Seja porque motivo for.
20111010
Daily Quote:
Leaders are not what many people think – people with huge crowds following them. Leaders are people who go their own way without caring, or even looking to see whether anyone is following them.
John Holt
Nunca fui um líder. Nunca o consegui ser. E nunca o quis ser. Sempre foi muito incomodativo para mim quando me apercebi que de alguma forma davam demasiada atenção ao que eu dizia, ao que eu escrevia, e me tornavam numa espécie de guru, que eu detesto. Não quero ter - não posso ter - esse tipo de responsabilidade em cima dos ombros. Não tenho a consistência necessária, as certezas absolutas e firmes, a despreocupação pelos outros que um líder tem que ter. Ando demasiado aos apalpões do terrenos, meio sem saber qual o caminho, sempre sem respostas definitivas, sempre com a dúvida à flor da pele, sempre na procura do melhor caminho, e, por isso, sempre a recomeçar qualquer coisa depois de descobrir que afinal o caminho era outro.
Adoro conversar a profundidade, detesto a conversa de chacha, de elevador, pura perda de tempo e puro desperdício. E nunca escondo de ninguém as minhas imensas fragilidades, até porque me são bem mais importante que as minhas certezas. Se há característica que me distingue é justamente essa: a da assumpção plena e de cabeça erguida que as minhas certezas são quase todas elas, passageiras, sempre contestadas, sempre discutíveis e discutidas.
E é muito raro, é raríssimo, não querer saber o que os outros pensam de mim, o que os outros sentem em relação a mim, aquilo que desperto neles, se sou problema ou solução, se sou motor para avançar ou marcha a ré. Sempre que esqueço isto, sempre que não me preocupo com estas coisas, é sinal que estou demasiado convencido de mim, demasiado cheio de mim, que estou a ficar demasiado longe do que quero de mim.
Não tenho por isso os instrumentos necessários para ser líder do que quer que seja.
Deus seja louvado !
20111007
20111006
Devo ser dos poucos que não gosta particularmente dos I qualquer coisa. Isso nunca me impediu, contudo, de admirar o Steve Jobs, como admiro outros fundadores de impérios como a Google, o Facebook, a Microsoft... São pessoas cujas vidas nos ensinam muita coisa: como aproveitar as oportunidades, como não ter medo de avançar sozinho, ignorando os velhos do Restelo, como se pode correr muitos riscos e ainda assim triunfar, como cair e levantar para aprender a cair melhor.
Hoje, enquanto vinha para cá, ouvia uma excelente peça que passava na TSF acerca do Steve Jobs, das suas dificuldades financeiras quando estudava, dos sacrifícios que fazia para não gastar as poupanças de uma vida dos seus pais, da sua escolha por estudar caligrafia, porque era bela e antiga apesar de aparentemente não servir para nada - e que, afinal, lhe cultivara o gosto pelo belo que tão profundamente marcou toda a Apple.
Quando nós olhamos para estes verdadeiros magnatas dos tempos modernos temos tendência para pensar que nasceram com o rabiote voltado para a lua, que são especialmente bafejados pela sorte ou pelos deuses, ou então que são sobredotados e, por isso, pouco têm de comuns mortais. Quase nunca é assim: são pessoas dotadas, sim, mas fundamentalmente esforçadas, aplicadas, que fazem das fraquezas forças que não se permitem pensar pela cabeça dos outros nem desistir dos seus objectivos por dá cá aquela palha. E é justamente por isso, por serem comuns mortais, tal como nós, que podemos e devemos aprender com eles.
Recordo-me muitas vezes do choque que apanhamos todos na faculdade quando nos foi dito que os Evangelhos não tinham sido escritos por super-homens ou anjos mas por pessoas comuns, pequenas até, aos olhos dos outros homens. Não podia ser. Porque haveríamos então de seguir o que tinha sido escrito por pessoas tão comuns e simples como nós? Como respeitar então as escrituras se não tinham sido escritas por pessoa especialmente abençoadas por Deus? Descobri afinal que é justamente nos simples e pelos simples que Deus se nos dá a conhecer todos os dias. E que se formos bem sucedidos nessa árdua tarefa de sermos, nós próprios, simples, podemos ajudar outros a escrever, na sua vida e na dos outros, a sua própria Boa Nova.
Confundimos muitas vezes, demasiadas vezes, sabedoria com poder, sucesso com ostentação.
Até por isso, pela forma simples como se vestia, aprendi com Steve Jobs.
Que descanse em paz.
20111004
Não posso afirmar, em boa verdade, que tenha orgulho em mim. Quando olho para a minha vida vejo, isso sim, muitos motivos de orgulho nos meus, naquilo que eles conseguem... apesar de mim. Agora já não, porque nestes últimos anos cresci e serenei o espírito, mas houve uma altura em que o que mais temia era que aqueles que me amam descobrissem quem eu sou e que, por isso, deixassem de me amar.
Apesar de tudo, uma das coisas de que me orgulho, porque sempre fez parte de mim quaisquer que fossem as circunstâncias, é a minha vontade de ir sempre mais longe. Quase nunca é na direcção que alguns esperariam, mas o Mestre Tempo tem revelado que é na direcção certa. Esse desejo muito íntimo, muito meu, muito latente, de ser cada vez mais foi o que me permitiu sair do bairro, ter uma verdadeira fixação por aprender com tudo e com todos, e, acima de tudo, desenvolver uma boa dose de resiliência - que não poucos entendem como sendo loucura, e talvez com razão - que me tornou num sempre-em-pé.
Outra consequência dessa vontade de ir sendo cada vez mais é a minha propensão para me ligar a pessoas que, não sendo propriamente fáceis, são no entanto imensamente ricas. O melhor exemplo é, naturalmente, a minha mais-que-tudo, que por vezes me tira do sério como mais ninguém mas a quem devo quase tudo o que sou e tenho. Gosto naturalmente de pessoas complicadas, exigentes, que me desafiam a ir mais longe e às quais não posso, por este motivo ou por outro, dizer não.
Afinal, são elas que me levam mais longe.
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