Hoje sentamos e conversamos com um dos miúdos do ER em quem mais confiamos. Estávamos todos convencidos que este ano ele tinha feito um excelente percurso: finalmente estava bem encaminhado num curso profissional que ele tinha escolhido, muito ativo, competente e responsável como monitor, ao ponto de lhe confiarmos ocasionalmente uma das salas e, o melhor de tudo, já começava a participar e a dizer o que pensa quando a isso era solicitado. Um caso de sucesso, quase um oásis no meio do deserto. Esta semana descobrimos, no entanto, por portas travessas, que ele nos estava a mentir desde fevereiro. Tinha desistido do curso e não nos disse nada, apesar de todas as semanas lhe perguntarmos como estava a correr e ele responder que estava tudo muito bem. Perguntamos-lhe porque nos tinha escondido a verdade por tanto tempo e a resposta foi óbvia: vergonha da desilusão que sabia que nos ia provocar. Hoje, sentados, olhos nos olhos, dissemos-lhe que a desilusão não diminuiu em nada a importância que ele tem para nós e para os miúdos com quem trabalha e propusemos-lhe uma penalização. Que ele aceitou com os olhos a brilhar. De alívio. E alegria.

Quando, no princípio desta semana, soube do que ele fizera, entendi logo porque o tinha feito. Revi-me logo no que ele tinha feito. Não sei o que nos leva a inventar realidades fantasiosas e a viver nelas como se fossem verdadeiras. Talvez porque não consigamos suportar a desilusão provocada nos que confiam e apostam em nós, tentamos tapar o sol com a peneira e adequamos a realidade ao nosso discurso, esquecendo que a realidade é real, e que acaba por nos cair em cima da cabeça. E, quando nos cai, quando somos descobertos, quando somos confrontados justamente por aqueles a quem desiludimos, a nossa maior preocupação é que a "pena", o castigo, nos permita voltar a reatar aquele elo de confiança que deitamos a perder. Naqueles olhos a brilhar eu revi os meus olhos de cada vez que, penitente, me permitem recomeçar. E foram tantas!

Hoje, depois da conversa com todos, quando estávamos apenas os dois, eu disse-lhe para aprender a confiar em nós. Que ele não inventava nada. Que não havia nada que ele fizesse que eu não tivesse já feito. Inclusivamente, que o que ele tinha acabado de fazer eu próprio já o fizera várias vezes. Por isso, não precisava de se esconder. Mas de assumir. E recomeçar. Connosco, que estamos aqui para o ajudar. Sempre.

Há alguns dias, raros, que me ajudam a perceber o que faço aqui no ER.

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