Hoje acordei a pensar nas minhas dívidas. Dívidas, sim. Aos cinquenta sou um homem profundamente endividado. Até à medula! E são dívidas daquelas que nunca se quitam, nunca se apagam, nunca dou por saldadas.
Umas são mais pequenas, mais concretas, mais situadas num tempo e momento específicos. Fica a gratidão, que nunca se apaga, fica a memória, fica a ligação, indelével, fica aquele saborzinho a bom no coração que aparece logo que a vida permite que os nossos olhares se voltem a cruzar.
Outras são maiores, decisivas em algum momento, e constituem uma das partes mais deliciosas da minha vida. Consigo distinguir claramente quem eu era e quem passei a ser, há um antes e um depois absolutamente claro, distinto, muitas vezes decisivo. É como se essa dívida constituísse um lago para o qual me detenho a contemplar deliciosamente de tempos a tempos. Dívidas de gratidão, daquela gratidão boa, reconciliam-me sempre comigo. E com a vida!
Mas há outras. Dívidas. Dolorosas. Tremendamente dolorosas. De vergonha. Em cujas crateras não se formam lagos mas permanecem, intactas, vazias, penosamente vazias. Não são tão numerosas quanto os lagos mas são mais presentes. Também para elas me detenho a contemplar. O vazio. O seu vazio. O vazio que esse vazio provocou em mim. O vazio que provoquei na vida de alguém. Alguém necessariamente próximo. Alguém necessariamente importante. Alguém necessariamente muito amado por mim. Alguém irremediavelmente desiludido comigo.
Sei que estas crateras me farão companhia até ao último dia da minha consciência. Sei que acordarei com elas porque todos os dias acordo com elas. Sei que baixarei o olhar de vergonha quando esses alguéns se cruzarem comigo e me confrontarem com o meu próprio vazio. Sei que nada, jamais, limitará ou ensombrará e muito menos apagará a culpa do vazio. E sei também que não terei outro remédio senão aprender a viver com elas. As pessoas. As crateras. E os imensos e indeléveis vazios que ocupam em mim.
Estas dívidas, as boas e as más, as leves e as pesadas, ajudam-me a perceber que tenho uma história. Que fui construindo uma história. A várias mãos. A vários pés. A vários corações.
Mas que é a minha história.
E é com ela que acordo e adormeço todos os dias.

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