Quem nos visse, aos sete, bem dispostos e a rir às gargalhadas, facilmente esqueceria o lugar onde nos encontrávamos. Tínhamos ido visitar o Jorge e aquela sala de visitas parecia a sala da nossa casa. Ele, olhos vivaços, a falar até não poder mais, a brincar até não poder mais, desinibido como não o conhecíamos antes; nós, felizes, imensamente felizes, por podermos estar ali com ele, depois do acidente, depois do horror, depois do medo, depois de o julgarmos perdido para sempre.

"É um milagre!" Isto, dito por um dos meus filhos, gerou a contestação de outro "foi um ato médico, não um milagre". Sorri. Espero que os meus filhos médicos não se esqueçam que os milagres fazem parte da vida de todos nós. Que não têm que ser anunciados a partir de uma luz vinda do céu que nos deixa maravilhados com as coisas de Deus, mas que têm uma luz que irradia das pessoas que se esforçam por dar mais vida aos outros, nas suas mais variadas formas, nas suas mais variadas competências, conscientes ou não que somos todos veículos de Deus para que Ele possa acontecer na vida de cada um.

Acho fascinante quando estou convencido que já sei tudo e de repente, vindo do nada, se faz uma nova luz sobre um determinado tema. Trabalho há vários anos com a Samaritana nos dias de reflexão e recentemente tive uma epifania: Jesus pede água porque, naquela altura, água é a única coisa que a Samaritana acredita que lhe pode dar. Ao se colocar numa posição de necessidade, de inferioridade, face a quem se considerava imensamente inferior (mulher, já com cinco maridos, samaritana, descrente de si própria...) Jesus possibilita a sua transformação numa nova pessoa, numa nova vida.

É-me muito fácil sentir-me pequeno quando efetivamente sou pequeno: quando estou perante quem é mais, quem sabe mais, quem pode mais. É até uma inevitabilidade: seria uma estupidez se, mesmo nessas circunstâncias, mantivesse a minha natural arrogância. Mas despir-me dessa arrogância quando acredito poder mais, quando estou convencido ser mais, isso é tremendamente difícil... e raro. Este colocar-me abaixo, este fazer-me pequeno (muito diferente do sentir-me pequeno) para que outro possa ser maior exige uma capacidade de discernimento que apenas acontece se for natural e não auto-imposto, apenas acontece se o tiver sido tantas vezes que se torna parte efetiva do que sou. É sobretudo isso, o que, pelo menos nesta altura, tenho que aprender: a fazer-me pequeno. Apenas isso me permitirá ver e agradecer os milagres que acontecem todos os dias à minha volta.

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