Vinte e cinco anos! Se mo tivessem dito antes, teria dito que seria impossível! Eu morria de medo. Tenho ainda bem presente a nossa decisiva conversa, motivada pelo meu medo do compromisso, pelo meu medo de falhar, e da sua decisiva resposta. Tenho ainda bem presente aquilo que pensei, na altura, quando me apercebi que tinha diante de mim, pela primeira vez, alguém que me amava mesmo, e que estava disposta a tudo por mim. Tenho ainda bem presente aquela sensação de quem tudo pode e da enorme responsabilidade que senti logo a seguir, de quem descobre que agora é a sério, tenho uma vida entre mãos que não apenas a minha, e quero muito cuidar dela para sempre. Para sempre! Sempre senti que para sempre é muito tempo, demasiado tempo, por isso preferi substituí-lo por todos os dias. Dá a ilusão de custar menos, dá a ilusão do recomeço permanente, da reconstrução permanente, da novidade permanente, sem contudo retirar tudo o que fica, o imenso que vai ficando, momento após momento, dia após dia, ano após ano.

Ontem, a determinada altura, diziam-me que certamente teria sido mito difícil. Já mo tinham dito outras pessoas, há bem pouco tempo, à medida que caminhávamos rumo a Fátima. Desminto sempre essa dificuldade. Porque nunca a senti, verdadeiramente. Claro que se falamos em termos financeiros, ter cinco filhos é muito. Mas é quase o único aspeto em que é muito. O outro é o da falta de sossego. Mas fora isso, o segredo está em manter a vida aberta à vida, não fazer mais planos que aqueles estritamente necessários, e mesmo assim, relativizar esses, e estarmos sempre disponíveis para acolher de braços abertos o que a vida nos for dando.Tivemos momentos difíceis, como toda a gente, mas nessas alturas nunca nos faltou quem estivesse ao nosso lado e nos ajudasse, nos escutasse, nos aconselhasse, e nos desse forças para irmos seguindo em frente. Tivemos também, em determinadas alturas, a capacidade de esperarmos um pelo outro. Esperarmos que o juízo finalmente voltasse, que as doses de loucura fossem ficando mais pequenas, que a telha passasse, que o amuo desse lugar à conversa, que a nossa surdez seletiva funcionasse e nos permitisse esquecer o que nos foi dito com os ânimos mais exaltados. Sei lá, há tanta coisa e tanta vez que se espera um do outro ao longo de todos estes anos que seria impossível enumerá-las a todas.

Não se vivem vinte e cinco anos intensos, como nós vivemos, sem termos que lidar com algumas ruturas, algumas mudanças profundas, que exigem alguns ajustamentos, uns mais violentos outros nem tanto, mas quase todos com algum nível de dor implicada. Não se vivem vinte e cinco anos intensos a acreditar em contos de fadas, sem pés bem assentes no chão, sem nos questionarmos algumas vezes se vale a pena, se é mesmo isto o que queremos, sem nos perguntarmos se não estaremos a abdicar em demasia de nós próprios, sem duvidarmos do seu amor e redescobrirmos esse amor logo depois, e fazermos as pazes, mais uma vez, e outra. Não se vivem vinte e cinco anos intensos sem deixarmos algo pelo caminho, sem ganharmos algo pelo caminho, sem construirmos algo pelo caminho e nos identificarmos com isso, e deixarmo-nos de nos identificarmos com isso, sem discutirmos uma e outra vez o que vamos deixando e ganhando e construindo, uma e outra vez, uma e outra vez. Não se vivem vinte e cinco anos intensos sem adormecermos no cinema, sem avaliarmos mal o que é tão importante para o outro, sem ouvirmos, pela enésima vez, que não fizemos qualquer coisa bem, sem nos apercebermos que afinal estávamos enganados e aquilo não é assim tão importante, sem termos que fazer os ajustamentos necessários, uma e outra vez, uma e outra vez. Não se vivem vinte e cinco anos intensos sem amar, amar muito, amar muitíssimo, sem nos emocionarmos com o seu sorriso, com as suas lágrimas, sem sentir a sua dor exponencialmente multiplicada pelo imenso amor, sem desejar muitas vezes que antes fosse eu, antes fosse comigo, sem nos embevecermos em silêncio a olhar enquanto dorme, sem redescobrir o mundo no seu olhar, no seu sorriso, no seu sei lá o quê, sem o prazer de uma boa conversa, de uma boa caminhada, sem o deslumbramento de nos sentirmos tão intensamente amados, sem aprofunda admiração enquanto pessoa, enquanto ser humano, enquanto tudo aquilo que se deseja na pessoa com quem partilhamos o sonho do futuro.

Não se vivem vinte e cinco anos sem muita vida, com tudo aquilo que a vida implica, porque se assim não for, esses vinte e cinco anos não se vivem... passam por nós. E isso é puro desperdício!

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