20150514


Lia hoje, algures, qualquer coisa acerca da arte de fechar portas. Que terminava com qualquer coisa do género de não se dever deixar portas entreabertas. Ou entrefechadas. Não consigo perceber o que isso seja.

Nunca soube gerir relações. Provavelmente porque não me preocupo minimamente em ser racional quando me sinto ligado a alguém.

Há pouco tempo disseram-me que deveria cuidar melhor daqueles de quem eu gosto e eu tenho andado muito à volta disso O que significa cuidar melhor daqueles de quem gosto? Significa preservar-me nas minhas amizades? Significa escolher o que digo, o que faço, a forma como digo e faço? Significa não olhar quando quero olhar, não dizer quando quero dizer, fazer de conta quando não encontro qualquer motivo para fazer de conta? Significa gerir momentos e palavras e gestos e atitudes para que não possam ser mal interpretados, para que não possam criar expectativas que depois serão inevitavelmente defraudadas?

Mas, e se eu nunca tiver querido criar expectativas? E se eu me tiver limitado a aproveitar o momento, a viver a partilha, a saborear a conversa, sem com isso pretender nada mais que justamente aquilo que acabou de acontecer?
E se eu, ao longo da minha vida tiver finalmente percebido que é a sucessão das partilhas, das conversas, dos momentos bons que solidificam a amizade, e que a gestão das expectativas fazem parte de um outro campeonato, de um outro tipo de relação, que pressupõe um qualquer tipo de amarras, de compromisso, de permanência?
E seu eu estiver convencido que o que vale na amizade é justamente essa ausência de ter que ser, é o ser apenas pelo mútuo gozo de sermos, é o estar apenas pelo mútuo gozo de estarmos, naquela altura, naquele momento, naquela conversa, naquela caminhada.
E se eu tiver aprendido que é na medida em que estamos ambos, em sintonia, naquela conversa, naquela partilha, sem amarras, sem qualquer outro compromisso que não seja o da preservação do que é dito e vivido e sentido, sem qualquer outro objetivo que não seja o de estarmos, o de sermos, o de aprendermos, juntos, a dividir o que nos vai na alma, e que é na medida em que estamos ambos, uma e outra vez, numa e noutra altura, que nos construímos mutuamente no amor profundo da amizade, que nos solidificamos enquanto amigos autênticos, verdadeiros, raros, e - aí sim - permanentes?
E se eu estiver convencido que a exigência, o compromisso, a amarra, são nomes diferentes da imposição, que entre nós não deve encontrar lugar, não deve ter lugar, porque, por si só, contradizem a liberdade imprescindível a quem ama?
E se eu...

Pois. E aqui paro. E se a questão está justamente no "e se eu..."? E se tu tens razão e eu começo todas as frases, ditas e não ditas, ditas e silenciadas, por "e se eu"? E se tu tens razão e eu teimo em me colocar no centro? E se tu tens razão e vejo tudo à minha medida, vejo todos à minha medida, ajo sempre à minha medida, sem me preocupar minimamente com o impacto que o que vejo, digo ou faço tem nos outros, particularmente "naqueles que amas"?, como me disseste? E se eu não protejo, efetivamente, aqueles que eu amo?

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