"Os Alquimistas fazem isso. Mostram que, quando procuramos ser melhores do que somos, tudo à nossa volta se torna melhor também."
O Alquimista, Paulo Coelho

O "hoje e apenas hoje", o "aqui e agora", sempre me foi extremamente sedutor. Perigosamente sedutor, diria. Poder ser, fazer, dizer o que se quer e como se quer, como se não existisse amanhã, como se não tivesse existido ontem, na mais pura das inconsciências, afigura-se-me quase como um paraíso de liberdade. No entanto, um olhar mais atento (normalmente vindo de fora) permite-me sempre concluir que não é isso que me torna mais humano.

No último encontro do ComTigo andamos à volta do PermaneSer. Seguíamos, como temos feito ao longo de todo o ano, as escolhas do Bom Samaritano, incidindo desta vez no que ele fez que eu nunca faria. Num dia bom, até poderia não passar ao lado, até poderia não fazer de conta que não via, até poderia ir até ao caído e ver o que tinha. Mas, mesmo nesse dia bom - e tinha que ser mesmo bom! - o provável é que me limitasse a chamar o 112 e a ficar lá enquanto ele não chegasse. E depois, naturalmente, afastar-me-ia, com as mãos limpas e a consciência lavada. Provavelmente chegaria a casa e, ao jantar, contaria o que acontecera, provavelmente com uma ponta de orgulho mal disfarçado, por ter feito algo de relevante por alguém. Mas muito dificilmente, muito provavelmente nunca, em caso algum, pegaria nele, o meteria no meu carro, o levaria a uma clínica privada, pagaria as suas despesas do meu bolso, e prometeria ainda voltar no dia seguinte. Eu sei lá quem era o homenzinho, se ele tinha merecido ou não, se ele tinha sido descuidado ou não, se ele estava bêbado, ou drogado, se ele me iria pedir o que quer que fosse... Como poderia deixar alguém entrar assim, sem bater, na minha vida?

Há uns meses, estava a sair para dar a minha volta do costume, quando me apercebi que algo tinha acontecido a poucos metros. À medida que ia ao encontro do sucedido, rezava para que não tivesse acontecido nada de grave, ou a ter acontecido, que pelo menos não fosse alguém conhecido, e, em último caso, a ter mesmo que acontecer, que pelo menos estivesse lá já quem apoiasse, quem me permitisse seguir o meu caminho sem qualquer problemas de consciência. Como sempre aconteceu no melhor da minha vida, não era o que eu deseja que acontecia: era o que me chamava. Era grave, era uma amiga, e eu fui o primeiro a chegar junto dela. E junto dela permaneci enquanto a ambulância não vinha, acompanhei-a ao hospital, e com ela fiquei até ter que a deixar. Durante todo o tempo em que estivemos juntos via a gratidão no seu olhar - até porque ela a repetia imensas vezes! - e pedi-lhe várias vezes que ela se deixasse disso. Não por falsa modéstia - mal de que não sofro - mas porque era imerecido. Porque tinha a sensação que, tivesse eu tido escolha, e provavelmente teria seguido o meu caminho.

Sempre tive a noção clara que gostaria de ser o que não sou. Gostaria de ser intrinsecamente bom, como algumas pessoas que conheço, que nunca sentem necessidade de se questionarem acerca do caminho a seguir, que nunca colocaram outra possibilidade que não fosse a de cuidar do caído. Gostaria de ter raízes fortes e seguras, de ter uma âncora ou outra que me mantivesse feliz no meu lugar sem querer saber se há mais mundos neste mundo. Gostaria de não ter que importar tudo o que verdadeiramente importa mas de o encontrar cá dentro, sempre cá dento, permanentemente cá dentro, sem ter que ser alvo de uma procura constante. Gostaria de ser mais João e menos Pedro, mais Paulo e menos cireneu, mais serenidade e menos busca, e menos, muito menos, acaso.

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