Parei de repente. A escutar. Abismado pelo silêncio, apenas entrecortado pelo suave bater das ondas, inundado pela súbita e inusitada tranquilidade. Na minha cabeça, apenas o salmo "Eu Vos louvo, Senhor. Vós Sois a minha força". Prossegui caminho. Procurava motivos para esta sensação tão contrastante com aquela que sentira, no mesmo lugar, praticamente à mesma hora, na semana anterior. Enquanto hoje tudo era harmonia, na semana passada tudo era turbilhão. Seria do que me rodeava ou de mim? Só podia ser de mim, claro. Afinal, era o mesmo sol, a mesma manhã, as mesmas ondas, o mesmo silêncio fora de mim. E era o silêncio dentro de mim, e isso sim, fazia toda a diferença.

Todos os dias faço dois percursos que, apesar de distanciarem entre si escasso metros, são completamente diferentes. Vou mesmo junto ao mar, regresso pela avenida. O meu estado de espírito em cada um deles é completamente diferente. O primeiro, feito na companhia das ondas e das gaivotas, remete-me para a oração e reflexão interiores. Não há qualquer outra paisagem que não seja a do mar. Louvo a Deus, por vezes rezo o terço, penso nos meus dias, nos meus amigos, nas pessoas que amo. É a minha fase Zen. Depois, para regressar, subo 4 metros e estou num outro mundo, completamente diferente. Cheio de pessoas, umas a caminhar, como eu, outras a correr, cheio de carros - belos carros! - e de casas - belas casas! - é a minha fase euromilhões. Olho as pessoas e as máquinas e os apartamentos à venda e imagino-me a viver ali, com aquele dinheiro, com aqueles carros, com aquele tempo todo para fazer o que bem me apetecia. Mas passa-me dpressa porque aquele é também o tempo de regressar mentalmente ao trabalho, de me preparar para o dia que me espera, de conceptualizar reuniões e esquemas e processos.

Interiormente, o que vai é muito diferente daquele que regressa. Sou o mesmo, no entanto. Hoje, quando ia, estava tão feliz que me apetecia desejar os bons dias a quem por mim passava. Como não tinha lata para isso, enviei alguns sms a pessoas que, apesar de não estarem lá, caminham muitas vezes comigo. Ia com aquilo que eu chamo o "peito cheio", a usufruir intensamente do que me rodeava, saboreando plenamente o que me preenchia. Quando voltava, preparava o meu dia, recordava o que tinha que fazer, os compromissos que me esperavam. Não vinha menos feliz, porque adoro o que faço, mas era um outro registo: mais sério, mais concentrado, mais responsável.

Todos nós temos as nossas próprias danças. Todos nós temos as nossas vidas interiores que, uns mais outros menos, tentamos descodificar. Todos nós temos percursos, mais ou menos sinuosos, que nos levam a ser quem verdadeiramente somos. Mas bom mesmo, é sentirmos que temos com com quem os podemos partilhar. Termos quem nos ame o suficiente, quem se interesse o suficiente, para nos ajudar a descobri-los, para nos ajudar a percorrê-los, estando fisicamente presentes ou não. Isso sim, é o que faz a diferença nos meus dias.

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