Vivemos tempos muito entusiasmantes, na Igreja. Aliás, temo que serão até demasiado entusiasmantes, uma vez que as expectativas
estarão demasiado altas. E não apenas para os católicos.
De certa forma, o modo como o mundo acolheu o Papa
Francisco trouxe-me à memória o entusiasmo que foi gerado em torno do Papa
João Paulo II. Um Papa que vem de longe – por incrível que pareça agora, a
Polónia em 1978 também ficava do outro lado do mundo – com um percurso de vida
inspirador, que alimenta a esperança de uma verdadeira reforma da Igreja.
Nos dias que se seguiram ao anúncio da demissão do Papa
Emérito Bento XVI foi enorme a confusão nos meios de comunicação social. A
todas as personalidades públicas, de todas as áreas, crentes ou ateus, foi
perguntado o que aconteceria à Igreja a partir de agora. Aliás, é muito curiosa
a qualidade das opiniões que a generalidade das pessoas que não têm fé faz
acerca da Igreja. É como se convidassem um designer de moda, que nada percebe
de futebol, para analisar um Porto- Benfica decisivo para o campeonato e
obtermos como resultado uma dissertação acerca dos modelos e das cores dos
equipamentos. Não sendo mentira, nada teria a ver com a importância do
acontecimento em si. Na realidade, a partir dessa altura não houve
personalidade pública que não desse o seu contributo acerca do futuro da
Igreja.
No entanto, há alguns pontos que serão transversais a todas
as pessoas de boa vontade, sejam ou não católicas. Como a opção pela pobreza.
Ansiamos todos pelo regresso a uma Igreja dos Pobres. A uma Igreja que prossiga
o seu caminho de reencontro com o Evangelho, que se curve para lavar os pés aos
mais desfavorecidos, que não tema enfrentar os poderes instalados mas que seja
refúgio de tantos que, hoje, no mundo inteiro, não conseguem encontrar um lugar
onde possam reclinar a cabeça. E para que isso aconteça contribuirá certamente
um Papa que, tal como disse o Frei Fernando ventura, tenha a coragem de calçar
as sandálias do pescador.
Da mesma forma, é um desejo global que o Papa Francisco dê
continuidade e até aprofunde os Encontros de Assis, que o Papa João Paulo II
deu início em 1986 e o Papa Emérito Bento XVI continuou em 2011. Numa cultura
que começa a assumir de forma aberta laivos de hostilidade para com todas as
Igrejas, particularmente as cristãs (não podemos esquecer os 105 mil cristãos
mortos em 2012 por motivos de perseguição religiosa), é uma ofensa a Deus que
os cristãos se encontrem ainda divididos, dando ao mundo um contra testemunho
do que deve ser a Igreja de Jesus Cristo.
Pelo que já vimos e ouvimos do Papa Francisco, acredito que
podemos, em ambos os pontos, alimentar expectativas. A própria escolha do nome
- Francisco, que o Papa deixou bem claro referir-se ao de Assis –
particularmente vinda de um Jesuíta, pressupõe uma opção clara pela
simplicidade de vida, pelo retorno ao Evangelho e por uma vontade de reunir o
que estará desavindo. Demos Graças a Deus por isso.
Mas o que o mundo pede hoje à Igreja não é apenas isto. O mundo
contemporâneo, completamente rendido ao aqui, já e agora e ao individualismo,
não consegue entender a linguagem do serviço ao outro e tudo aquilo a que está
intimamente ligada. Por isso despreza a obrigatoriedade do celibato dos padres,
que vê quase como uma violência perfeitamente anacrónica; não entende o papel
das mulheres na Igreja, que vê como subalternidade; nem entende a
indissolubilidade do casamento, que acha incompatível com o seu conceito de
felicidade de consumo imediato. Quando se aperceberem que a Igreja não se quer
render aos critérios facilitistas da cultura dominante, não demoraremos a
escutar as vozes de protesto dos defensores do progresso e da modernidade. Não
tardaremos por isso a confirmar que aquilo que uns vêm como anacronismo, como
resultante dos poderes instalados ou como medo da novidade, nós continuaremos a
ver como fidelidade a Jesus Cristo, ao Evangelho
e à Tradição.
A Igreja é uma mãe atenta e cuidadosa dos seus filhos e, como
qualquer mãe, sabe que por vezes aquilo que os filhos desejam resulta da pulsão
de satisfazer um desejo imediato mas nem sempre corresponde ao melhor para
eles. Como mãe atenta e cuidadosa, a Igreja sabe que deve permanecer fiel ao
Amor, e que apenas o amor constitui uma base sólida para o crescimento dos seus
filhos.
O Papa
Francisco, na sua homilia da Eucaristia de conclusão do conclave, terminou
desta forma:
“Eu
queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a
coragem, de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a
Igreja sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como
nossa única glória Cristo Crucificado. E assim a Igreja vai para
diante. Faço votos de que, pela intercessão de Maria, nossa Mãe, o
Espírito Santo conceda a todos nós esta graça: caminhar, edificar, confessar
Jesus Cristo Crucificado. Assim seja."
A escolha de
Francisco como nome, a humildade de pedir que rezem por ele antes de dar a
Benção Urbi et Orbi, a simplicidade que manifesta, tudo isso são sinais que
agradam à generalidade das pessoas e particularmente a nós, fiéis do seu
rebanho. No entanto, a presença significativa da Cruz do Senhor naquela que foi
a sua primeira homilia enquanto Papa, é também um sinal. Na Cruz do Senhor há
tudo menos facilidade. Há dor profunda, há entrega pessoal, há dádiva total e
absoluta, há fazer a vontade do Pai, há sacrifício por amor. Acredito que,
assim como o Papa Francisco teve a humildade de pedir que rezássemos por ele,
assim como teve a sensibilidade para estabelecer pontes através dos seus
primeiros gestos e palavras, terá, da mesma forma, a coragem de manter a
fidelidade ao Evangelho e a Jesus Cristo.
E isso, como
sempre, não será do agrado de todos.
(Artigo para o jornal paroquial O Poço)
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