Se calhar de forma errada, nunca soube muito bem esconder o jogo. Nunca tive grande dificuldade em viver sem nada na manga. Mesmo quando ainda não conheço alguém muito bem, não me ensaio nada para lhe revelar algo que para mitos seria considerado privado. E, para ser verdadeiro, também nunca percebi muito bem porque o não deveria fazer, porque nunca mal de maior me veio daí. Pelo contrário, o que tenho aprendido é que a ausência das minhas barreiras potencia o abaixamento das dos outros. Pelo menos dos bem intencionados. Se o segredo é a alma do negócio, está explicado porque tenho tanta sorte no amor.

Quando era miúdo tive uma vizinha que tinha muito orgulho na casa dela. Vivia num bairro social mais ou menos degradado, com pessoas a viver sabe Deus como, e, naturalmente, as casas não estavam em grande estado. Mas a casa dela, no entanto, estava sempre um brinquinho. Não havia dia em que ela não conseguisse um pretexto para alguém ir lá a casa - descalçando-se obrigatoriamente à entrada - para ver como era perfeita.  Mais tarde descobri com que custo: eles utilizavam apenas um anexo para que a casa pudesse estar sempre impecável. Nos primeiros tempos de casado eu quis fazer algo parecido com os meus livros e os meus CDs. Pela primeira vez tinha algo de meu e a tentação de preservar as coisas era enorme. No entanto, quando tive filhos - e tive-os logo que casei - cedo percebi que, com filhos, as coisas mudam de figura. E de lugar. E de uso. Muitas vezes!

Confesso que tive sempre alguma dificuldade em perceber as pessoas que vivem nos anexos das suas vidas à espera das melhores alturas para as usarem. Esperam as condições ideais, as melhores oportunidades, tentando prever e antecipar todas as circunstâncias por forma a não correrem riscos, fechando-se nos seus casulos numa vã tentativa de se preservarem ao que pode acontecer de menos bom. Não raramente acabam como a minha vizinha, que morreu e deixou uma casa impecável... e vazia, porque os filhos e o marido não aguentaram aquilo muito tempo.

Prefiro, por isso - particularmente nos assuntos mesmo importantes - confiar, mais que pesar os pormenores. A vida - e a fé - encarrega-se de me apontar caminhos e soluções. Claro que quando as coisas não correm bem - e às vezes não correm - caio com tudo, com o estardalhaço de um elefante numa loja de loiças. Mas aí tenho tido a sorte de ser socorrido por aqueles que, justamente porque não tenho barreiras, já sabiam que me amparariam a queda.

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