Lembrei-me logo de alguns amigos meus, a quem o mesmo acabou por acontecer.

Enquanto novos, tudo gira. E tudo é muito giro. De noite em noite, de borga em borga, de experiência em experiência, vivem numa rede de amigos flutuantes, de acordo com as mútuas conveniências. Na superficialidade dos encontros e fins de semana radicais, são de todos e de ninguém. Vivem, mais que uma felicidade, um gozo permanente, ajudado pelos rendimentos que vão esbanjando alegremente, sobretudo quando o investimento é feito no hoje, aqui e agora. O que importa é viver!

Com os entas chegam algumas dificuldades até então desconhecidas. As articulações, as noites mal dormidas, o estômago, o peso, mesmo o próprio gozo com o que se fazia e com quem se fazia, tudo isso se começa a ressentir das escolhas que se fizeram antes, noutros tempos. Chega-se a casa mais cedo, apetece sair cada vez menos, demora-se mais a recuperar, e às tantas começa-se a apensar - e a sentir - que uma noite bem dormida é um requisito fundamental para uma boa semana. Olha-se para o lado com maior profundidade, em busca dessa mesma profundidade, de uma maior sintonia. As coisas ganham um outro sentido. Uma outra leitura. Anseia-se um outro presente que prepare um futuro. Já não é tanto o hoje, aqui e agora, mas também o amanhã, que adquire uma outra importância.

Descobre-se a solidão. Redescobre-se a solidão. Uma nova solidão. Porque agora é mais difícil adiar, porque agora o futuro é mais curto, porque agora tudo ganha um outro peso na vida. Uma solidão sempre feita de ninguém ao nosso lado. Podemos até ter a casa cheia de amigos, podemos até ter um casamento de muitos anos, podemos até ter os miúdos aos saltos pela casa toda. A solidão é sempre feita de ninguém.

À medida que os entas se vão sucedendo, vai ganhando importância a escolha criteriosa daqueles com quem partilhamos a nossa vida. Importa ter companheiros de jornada, qualquer que seja o laço que nos une. A família, o casamento, a amizade, os filhos, são ecossistemas, formas de viver o amor, de partilhar o amor, de intensificar o amor, de nos sabermos amados e amantes, de termos e sermos testemunhas de vidas vividas, de sermos e termos contadores da história pessoal de cada um. Não são garantias de coisa nenhuma, muito menos de facilidades e simplificações inócuas.

Ouvi o seu desabafo, agora que convalescia, sozinho em casa, de uma intervenção cirúrgica, e lembrei-me logo de alguns amigos meus, a quem o mesmo acabou por acontecer. Alguns deles com casamentos de anos. Mas recordei também outros que, ao longo da vida, teceram uma rede de amizades profundas, sentidas, testemunhadas e partilhadas, recheadas de cumplicidades, que nessas alturas lhes roubavam a solidão e os enchiam de vida e de esperança.

De facto,à medida que os entas se vão sucedendo, vai ganhando superior importância a escolha criteriosa daqueles com quem partilhamos a nossa vida.

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