A saudade dói. Sempre. Com dores diferentes, umas despertam sorrisos, outras provocam esgares de dor, silenciosa ou manifestada, mas dói sempre. Saudade do que já fiz, daqueles com quem já fiz, das circunstâncias em que foi feito. Mesmo que na altura disséssemos mal dessas circunstâncias, releio-as e recordo-as agora com um outro peso, uma outra essencialidade, que o tempo se encarrega de limar arestas: se não tivesse sido exatamente assim, não seriam estas as memórias, mas outras, completamente diferentes, e certamente menos saborosas.

Conversávamos um dia destes daquilo que já não farei. Do imenso que já não farei. Da enorme quantidade de projetos e sonhos para os quais já não tenho idade... ou a idade me tira a vontade. De alguns deles eu poderia descrever com enorme exatidão cada passo, cada momento, cada sensação, tantas foram as vezes que os sonhei. É como se os tivesse realizado, efetivamente, de tal forma que as memórias que permanecem desses apenas sonhados e projetados episódios da minha vida se revestem de uma realidade tão real que se confundem com aqueles que efetivamente vivi. Não me espantaria se, daqui por trinta anos, contasse aos meus netos as minhas aventuras num Defender por terras de África, ou de viagens de balão nos céus alentejanos, enquanto os meus filhos, nas minhas costas, fazem carinhosos gestos circulares com o indicador a volta da fronte direita. Nada que não aconteça já, na verdade!
Não são das que doem menos, estas saudades do apenas sonhado. Alicerçadas na realidade, amarram-me às minhas circunstâncias e impedem-me o voo. E como o sonho do voo é fundamental, sobretudo para quem se alimentou tantas vezes do sonho para fugir à realidade circundante! É extraordinário como hoje consigo ver, in loco, a necessidade que as pessoas do bairro têm de jogar nas raspadinhas, euromilhões e apostas desportivas. Que outra forma terão de escapar ao seu quotidiano?
A parte boa é quando redescubro, todos os dias, de forma renovada, que a minha realidade é, justamente, precisamente, o sonho mais vezes sonhado, mais intensamente desejado, e ainda assim, superiormente ultrapassado. E que a saudade, aquela que dói sempre, do vivido e do apenas sonhado, não deixa de doer sempre, mas é ultrapassada pela realidade. E que essa saudade, feita de pessoas e conversas e experiências e vidas sonhadas mas nunca concretizadas, é motivo para agradecer, todos os dias, o dom da minha vida.
E louvar a Deus pelo imenso que alcançamos.
Juntos.

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