Gosto muito de elefantes. Do seu porte, do seu olhar doce apesar do porte, da forma como se mexem, como escolhem morrer, da memória, que tradicionalmente se diz que têm. Se eu fosse apenas animal, gostaria de ser elefante. Já estaria a meio caminho. Talvez goste tanto deles porque gostaria de ser um deles.
Não sou de esquecer. Nunca fui. Muito menos de querer esquecer - quando caio nessa asneira mais não consigo que recordar constantemente o que tão forçosamente quero esquecer. Recordo gestos e atitudes e conversas que tive ou escutei desde que era menino. Quase de colo. Por vezes dizem-me que nós só conseguimos reter coisas na memória a partir de determinada idade, mas naquelas idas ao baú com os com os meus pais e irmãos eu recordo discussões ou acontecimentos que tiveram lugar quando eu era mesmo pequenito e eles ficam a olhar para mim. Recordo muito, e com muito quero dizer muitas coisas, muito presentes, muito vivas, como se tivessem sido ontem. Recordo coisas que não servem para nada, não têm utilidade nenhuma... a não ser serem um parte importante do que eu sou.
Então pessoas!
Há não muito tempo pensei no que gostaria de fazer se soubesse que iria morrer dentro de um prazo curto. Uma das coisas que faria, com toda a certeza, seria retomar conversas inacabadas ou mal entendidas ou pouco esclarecidas, conversas que ficaram a meio e deixando algum nível de ressentimento. Porque nestas coisas o tempo tem a mania de limar as arestas, fica como lastro o que eu disse que não deveria ter dito, o que eu fiz que não deveria ter feito, o que eu deixei por resolver e deveria ter ficado bem resolvido, independentemente das circunstâncias. Eu deveria ter visto, deveria ter pressentido, deveria ter sido mais comedido, deveria ter sido mais sábio. Sempre!
Naturalmente, muita gente me passou pela vida. Muitas conversas, muitas partilhas, muitos caminhos. Algumas dessa gente permanece, outra nem tanto. Vou vendo pelas redes sociais, vou sabendo por interpostas pessoas, vou-me alegrando e sofrendo em segunda mão. Nenhuma delas está esquecida. Nenhuma delas está nos escombros da memória. Todas elas, volta e meia, a pretexto de tudo e de coisa nenhuma, regressam.
Claro que nem todas são iguais, nem todas têm o mesmo peso, há graus diferentes de profundidade, há níveis diversos de intimidade, quase sempre ligados à densidade da alma, à intensidade de uma boa conversa aliada às circunstâncias em que aconteceu. Há céus especiais e paisagens especiais e momentos especiais e caminhos especiais e lugares especiais que me povoam ininterruptamente de forma silenciosa e silenciada. Céus e paisagens e caminhos e momentos que são o que são porque têm dentro deles a doce memória da vida bem vivida.
Ainda nestes dias conversávamos que, excetuando com os meus - e os meus são muito poucos - sou de fogachos com os outros. Como a minha alma não é um disco de computador, que posso varrer e arrumar tudo encastradinho, há espaços nunca preenchidos, há saltos na continuidade, feitos das tais conversas incabadas. O que nem é mau, na verdade. Mau seria se eu desse as pessoas por terminadas na minha vida. E isso nunca aconteceu. E espero que nunca aconteça! Porque se acontecer, terei deixado, com toda a certeza, de ser eu.

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