Não costumo ter grandes problemas em acreditar na ressurreição. Abandono-me com facilidade ao Mistério no que não conheço e agarro-me à Esperança, que é o meu outro nome preferido da Fé. Em boa verdade, tal como dizia Pascal, nada tenho a perder neste acreditar. Impele-me a viver plenamente, impede-me de ser estúpido ao ponto de pensar que sou a medida de todas as coisas e, sobretudo, incentiva-me a não colocar a minha estupidez natural em prática, descarregando-a sobre os outros.
Contudo, se essa Esperança é pacífica para quando eu morrer, é-me muito mais difícil de concretizar na Vida. Adoraria ter a serenidade de quem sabe, no íntimo de si, que é incondicionalmente amado por Deus. Essa serenidade na certeza permitir-me-ia um outro arrojo, uma outra assunção de mim próprio, uma outra tranquilidade e liberdade para fazer as minhas próprias escolhas, colocando as minhas próprias sementes, e cultivar os meus campos como se outros não existissem.
Falta-me essa serenidade. Quotidiana. Falta-me ligar e escutar, de forma consciente, à voz que me será eventualmente mais importante, a da minha consciência, esse lugar onde dialogo com este Deus que habita em mim. Falta-me a confiança do abandono, sem olhar por cima do ombro, sem garantir reservas ou backups ou planos B, confiando que, afinal, sou amado incondicionalmente ao ponto de me pegarem ao colo, aconteça o que acontecer, faça eu o que fizer. Falta-me a minha confiança no amor ao ponto de não sentir necessidade de me esconder nos mais variados momentos, quando me sinto indigno e me afasto, por pudor, por vergonha, por nudez. Falta-me a capacidade de assumir essa nudez, esse despojamento de mim, o reconhecimento desavergonhado da necessidade de ser acolhido, recolhido, no amor. Falta-me permitir-me ser acolhido, recolhido, no amor.
Mas estou a aprender. Aos cinquentas, estou ainda a aprender. O que não é mau. Estou a aprender porque me estão a ensinar. A confiar, a recolher-me, a abandonar-me, a perceber que afinal o silêncio é o lugar onde o amor se semeia, o interior é o lugar onde o amor se cultiva, o quotidiano é o lugar onde o amor desabrocha e ganha vida. E que é sempre tempo de novas e melhores culturas.
Mesmo aos cinquentas.

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