Gosto de pensar que sou atento. Que gosto de acompanhar, de ver os pormenores, de testemunhar o que a vida vai fazendo aos que comigo vão percorrendo a vida. Gosto de me colocar num canto e ir observando, atentamente, os mais pequenos gestos, os esgares mais discretos, aqueles momentos, que todos temos, que revelam o que, cuidadosamente, se tenta esconder.
Quando era responsável pelo Clube de Leitura fiz este exercício com os miúdos. Fomos à exposição do livro e pedi-lhes apenas para observarem que lá estava. Como olhavam para os livros, para que livros olhavam, como pegavam neles e os desfolhavam tentando descobrir o que ia no seu interior, e depois se os compravam ou não. Descobrimos tanto quando fazemos estas coisas!
No entanto, apesar de por vezes, erradamente, pensar que conheço bem quem tenho à minha frente, ainda me espanto com a descoberta. Quando fui a Taizé com a minha filha mais velha descobri nela alguém perfeitamente desconhecido: dinâmica, voluntariosa, apta a correr riscos e comprometida com os outros. E, fundamentalmente, a sair-se muito bem nos diversos papéis que escolhera assumir. Uma filha que nada tinha a ver com aquela miúda por vezes muito metida em si que tinha lá em casa. Seis dias em Taizé revelaram-me alguém completamente novo! Como era possível? Como é que eu nunca a tinha visto daquela maneira lá em casa? Aprendi que a carga que eu colocava no que (não) via e (não) ouvia era imensa. Que era demasiado de mim para que eu conseguisse manter a distância que permitiria vê-la tal qual ela é. E passei a ter mais cuidado!
Num outro registo, passei pela mesma experiência muito recentemente. Bastou-me recuar dois passos, educar o olhar e dar algum espaço para ver como alguém tinha crescido! Fi-lo conscientemente, depois de perceber que eu, à força de tentar proteger, estava a ser empecilho, estava a abafar e, mais que isso, começava a ser o único que não via o que para todos era já evidente.
Acredito que nesta dificuldade em ver o que temos diante dos olhos há muito de amar, de tentar proteger, de tentar esmiuçar as fragilidades para impedir que elas se revelem aos olhares alheios que, pensamos nós, serão mais implacáveis que os nossos. Que não nos apercebemos que o amor, quando sem medida, é implacável porque abafa e tolhe e impede de viver. Que amar é também soltar, deixar ir, deixar que usem as asas que ajudamos a crescer. E que o verbo amar, agora, se conjuga muito mais com o estar. Atento, à espera, à distância... para o que for preciso!

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