Contrariamente ao que é comum pensar-se, a esmagadora maioria das pessoas deste país não sente o ano novo no primeiro dia de Janeiro de cada ano. Festejámo-lo todos, nessa meia noite, com mais ou menos sono, com mais ou menos champanhe, com mais ou menos amigos, desejamo-nos mutualmente coisas boas para o tempo que aí vem, mas nas verdade, dois dias depois, tudo passou e voltamos à rotina habitual como se nada de especial tivesse acontecido.
Mas em Setembro não é bem assim. E nem sequer precisamos de ter filhos ou netos ou crianças na família. A não ser que vivamos barricados nas nossas casas sem qualquer comunicação com o exterior, sentimos que por volta de meados de Setembro a vida efetivamente muda. Radicalmente! Muito mais trânsito, transportes públicos mais cheios, enorme barulho e confusão junto às escolas, minis, súperes e hipermercados a abarrotar de pais e filhos com listas de pastas e cadernos e canetas e tudo o que os meninos precisam e não precisam para o novo ano (este sim, o verdadeiro novo ano, o que conta) que aí vem. Quem tem filhos ou netos em idade escolar, então, vê a sua rotina matinal completamente alterada. Roupas e lanches, livros e mochilas, trabalhos de casa e vistorias aos cadernos aliam-se à preocupação de ir levar e buscar os filhos à escola e deixar uma parte do coração junto com eles, de saber quem são os seus amigos e falar com os professores. Não há como escapar!
As pessoas de antigamente não devem entender muito bem o motivo de tal azáfama. No seu tempo as coisas eram mais simples: uma ardósia, um pedaço de giz; ou então um ou dois cadernos, um lápis e uma caneta eram instrumentos mais que suficientes para queimarem as pestaninhas com o que aprendiam na escola. Os professores, esses sim, encarregavam-se de fornecer o que importava verdadeiramente: a geografia, a história, os números e a língua portuguesa.
Não são esses, contudo, os tempos que hoje vivemos. Por um lado temos o endeusamento da criança, a quem tudo é permitido e concedido. Por outro lado, permite-se que a cultura do sucesso exerça uma tremenda pressão e dite as suas leis aos fragilizados pais, que apenas querem que aos seus rebentos não falte nada, e muito menos um futuro radioso. Pelo meio, muito se perde e pouco se transforma!
Para nós, cristãos, é muito importante sermos pessoas do nosso tempo. É essencial que saibamos interpretar o que está a acontecer à nossa volta, que consigamos ler o mundo que nos rodeia porque é neste mundo que vivemos, hoje, aqui e agora, e não num qualquer saudosismo que tem tanto de bacoco como de inútil. E é nesta realidade, e não em qualquer outra, que temos que descobrir os meios para levar Jesus Cristo aos outros. No entanto, justamente por isso, também é importante termos a capacidade de não nos deixarmos enredar acriticamente nas modernidades, esquecendo o que faz parte da essência do que somos. E se entendemos que é fundamental para um jovem – ou menos jovem - manter a comunicação e a partilha com os seus amigos nas redes sociais, é já bastante difícil perceber quando vemos pais e filhos pequenos, no carro ou numa mesa de restaurante, constantemente encatrafiados cada qual no seu aparelho.
Hoje em dia as crianças entram no carro e já têm os seus filmes preferidos a passar nos encostos de cabeça. Chegam a casa e têm os canais que lhes são dedicados ou então os tablets com os seus programas e jogos. Para comerem a sopa, nada como uma história com uns bonecos a mexer e uma música a condizer, que se descarrega através de uma qualquer aplicação informática. No final do jantar, cama, que amanhã é preciso levantar cedo.
Esta pode parecer, naturalmente, uma rotina extremada, satirizante, que as coisas nem sempre se passam desta maneira. No entanto, particularmente nos jovens casais com maior poder de compra, a realidade não andará muito longe desta ficção. Basta estarmos atentos num batizado ou num casamento onde estejam presentes alguns destes jovens casais com os seus filhos e contarmos os aparelhos eletrónicos que estão ativos nas suas mesas. E o tempo que uns e outros gastam a utilizá-los.
São sempre tempos novos, aqueles que vivemos. Que trazem consigo novos paradigmas, novas formas de fazer, novas formas de saber e de fazer acontecer. Mas não trazem novas formas de ser. Por muita e muito boa que seja a tecnologia que todos os dias nos invade os sentidos, há aspetos essenciais que constituem o nosso património. Que sempre foram e sempre serão nossos. A busca da interioridade e o silêncio que a permite; a presença real e não virtual daqueles que nos amam e nos ajudam a ser quem somos; o olhar e a voz que nos limam as arestas e nos fazem crescer; a experiência da partilha olhos nos olhos, mão na mão, que nos faz sentir parte de algo maior que nós; o encontro, o verdadeiro e decisivo encontro com Aquele que nos ama sem limite… a experiência do amor. Nada disto é substituível. Nada disto é coisa do passado nem perde sentido com a modernidade. Nada disto se consegue compensar com nenhuma aplicação informática.
Iniciamos recentemente um novo ano. De certa forma, muitos de nós andamos ainda à procura da melhor forma de encaixar todas as novidades. As nossas rotinas vão-se adaptando a estes novos tempos, que nos trazem novos desafios, novas incertezas, novos receios. Seria bom que soubéssemos sempre ser bons pais e bons filhos. Sabemos que nem sempre é assim. Seria bom que soubéssemos sempre ser bons educadores, qualquer que seja a nossa circunstância familiar, profissional, pastoral ou comunitária. Sabemos que nem sempre é assim. Mas seria muito importante que não perdêssemos nunca de vista que sermos pais e filhos e educadores fazem parte do melhor da vida. E o melhor da vida exige tempo mas não tem um tempo, não se esgota, é eterno. Porque o melhor da vida vem do amor de Deus. E esse é para sempre!


Artigo para O Poço

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