Se, no que diz respeito à minha fé, não costumo ter grandes vacilações - a minha fé resulta da aceitação de um convite pessoal que me é feito todos os dias - isso já não acontece relativamente à minha Igreja, ou melhor, relativamente a algumas pessoas que, tal como eu, constituem aquilo que eu acredito que é a Igreja.

Sou um ávido leitor de tudo o que diz respeito à Igreja. Livros, artigos, blogues, todos os dias me passam em frente aos olhos e eu vou acompanhando, uns mais e outros menos, consoante o tempo que consigo roubar ao meu tempo. Desde sempre que me imponho, no entanto, ler não apenas os que defendem o que eu próprio defendo mas a acompanhar aqueles que seriam os meus antagonistas. (Por isso é que eu, sendo portista de gema, sempre privilegiei a leitura do jornal A Bola: não preciso que me apontem as glórias do Porto, que essas eu sinto-as na pele, mas que me falem das suas fragilidades, que eu tenho mais dificuldade em ver.)

Incomoda-me sempre, por isso, quando me sinto mais perto daqueles que questionam a Igreja do que daqueles que fazem parte dela. Ultimamente, então, tenho-me apercebido de uma deriva intolerante que me preocupa bastante. Eu não sou propriamente um liberal nestas coisas da Igreja. Não acho que faça sentido os padres poderem casar, por exemplo; não entendo o papel  de poder que algumas mulheres teimam em reivindicar para si (que se enquadra numa lógica de poder e não de serviço e por isso, para mim, não deve ter lugar dentro da Igreja); entendo a liturgia como sendo absolutamente fundamental para se poder viver comunitariamente a dimensão do sagrado... e sou totalmente contra o aborto, seja em que circunstância for, porque é sempre o exercício despótico de quem tem o poder sobre quem não se pode defender. Em suma, não acredito numa Igreja onde tudo seja permitido, numa igreja modernaça e amiguinha de toda a gente onde cada um possa viver a fé na sua própria medida. Essa seria uma igreja desligada de Jesus Cristo, que não é um facilitador mas que, pelo contrário, exige de mim o melhor.

No entanto, prezo muito a liberdade individual. Entendo que um adulto deve ter a plena liberdade de escolher a forma como vive a sua vida, desde que isso não limite a liberdade de seja quem for. Acredito que as escolhas pessoais que cada um faz são isso mesmo, pessoais, e apenas a si dizem respeito. Naturalmente, as escolhas pessoais poderão limitar as opções de pertença a uma Igreja, que tem que fazer escolhas, tem que ter regras, tem que ser porto seguro e não pode andar ao sabor dos ventos. Mas um adulto é alguém com capacidade de assumir as consequências das suas opções. E isso não me impede, pelo contrário, de discutir, de tentar construir pontes, de partilhar os meus valores, aquilo em que acredito, reivindicando para mim próprio a liberdade que reconheço para os outros. A forma como proponho Jesus tem muito a ver com isto: com partilha, com encontro, com exemplo, com testemunho, mas com muita liberdade, pois apenas na liberdade se pode dizer sim a Jesus.

Incomoda-me sempre, por isso, quando me sinto mais perto daqueles que questionam a Igreja do que daqueles que fazem parte dela. Os que apenas entendem uma forma de ser e de viver, os que se auto-elegeram arautos de uma sociedade pura (que me causa profundos arrepios, confesso), com uma fé pura, destinada à conversão dos outros, dos impuros. Eu não gostaria de viver numa sociedade assim e, certamente, não pertenceria a uma Igreja assim, que fosse só para puros.

Sempre que o fizemos houve asneira da grossa.

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