Tenho saudades de Bento XVI. A sua escrita simples, exigente e inteligente, a sua determinação, a sua enganadoramente frágil aparência, a sua extraordinária lucidez que nos levava ao encontro dos temas verdadeiramente determinantes do nosso tempo, são características que admiro profundamente numa pessoa e que desejo para o "meu" Papa.

Francisco é de outra estirpe. Muitíssimo diferente. Tão diferente que me arrisco a dizer que o melhor papa são estes dois papas juntos. De um lado a inteligência, do outro a acção. De um lado a serenidade devidamente alicerçada na sabedoria profunda encontrada na intercessão entre fé e razão; do outro lado o arrojo do peregrino, a voluntariedade de quem encontra o seu caminho na justa medida em que faz caminho, para quem a fé e a razão estão ao serviço da acção. É um pouco como se Paulo e Pedro fossem Papas ao mesmo tempo. E sabemos como foram ambos fundamentais no estabelecimento dos alicerces da Igreja.

Naturalmente, num e noutro há coisas que me desagradam.

Em Bento XVI, a sua tendência para uma certa direita, para um rigor excessivo, nomeadamente em termos litúrgicos, sempre me causou alguma impressão. Bastou-me ir a uma eucaristia em Moçambique para perceber como algumas coisas não fazem sentido, simplesmente porque são desenraizadas do modo de ser e de sentir de um povo, e que é absurdo impormos um modo de ser, de sentir e de agir europeu numa cultura africana. Se a fé em Jesus Cristo apenas faz sentido quando enraizado na vida vivida, que sentido faz impor uma artificialidade na celebração da fé? Não percebo!

De Francisco gosto dos seus gestos, do seu desassombro em ficar no fundo da Igreja. Gosto muito do que ele incomoda, no sentido em que desassossega aqueles que estavam demasiado cómodos nas suas cátedras eclesiásticas despojadas de realidade. Gosto que quebre os tabus, que quebre a segurança, que tente restaurar a normalidade no quotidiano de uma parte da Igreja que acreditava poder pairar acima das pessoas. Há, no entanto, uma coisa nele que eu detesto... e temo: por várias vezes, nos seus discursos (e agora aparentemente em alguns dos seus gestos) faz referência ao diabo, ao demónio, numa reedição do Império do Mal.

Ainda há pouco tempo, lá em casa, discutíamos isto. Acredito em Deus, no cunho de Amor que nos imprimiu, a todos, sem excepção, que nos faz sentir bem quando fazemos os outros sentirem-se bem mesmo com prejuízo de nós próprios. Acredito que nem sempre conseguimos fazer jus a esse amor e que quando isso acontece há uma fome intensa, quase imperceptível mas absolutamente devastadora, que toma conta de tudo o que somos. Acredito que somos, todos, chamados para o Bem, que tendemos para o Bem, quaisquer que sejam as nossas circunstâncias, quaisquer que sejam os nossos percursos pessoais ou colectivos, e que muitas vezes basta que alguém, na nossa vida, nos desperte para esse Deus que nos ama, para que tudo passe a fazer sentido.

E acredito que o diabo somos nós sempre que não sabemos ou não queremos viver esse Amor que nos é oferecido. Tudo o resto é para incutir medo. E o medo limita, aprisiona, gera desconfiança e quem desconfia fecha-se, mirra... morre.

E isso, creio, não tem nada a ver com a Igreja de Jesus Cristo.

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