Durante muitos anos, o Paulo esteve sozinho nas minhas eucaristias. Quando rezamos por todos os que partiram eu lembrava-me, invariavelmente, do Paulo. Das nossas brincadeiras, do tanto que aprendi com ele, da imensidão do que tocamos e cantamos juntos, da sensação terrível quando soube que morrera e da necessidade absoluta que tive de estar junto dele e da família dele, que me é tão especial, naqueles derradeiros momentos.

Pouco a pouco, no entanto, outras pessoas se foram juntando à memória do Paulo. O meu sogro e a Tia Micas - a quem recorro muitas vezes por causa da profunda sabedoria de ambos - de longe a longe outros tios meus de quem apenas me recordo nestas alturas, agora a Carmem. Ontem, durante a missa, apercebi-me que as minhas eucaristias estavam a ficar povoadas de pessoas que já morreram. Sem drama. Morreram, partiram, já não as tenho comigo, mas apenas a memória do que aprendi, do que vivi, por vezes do que sofri com elas. São parte do meu património pessoal, umas mais constantes que outras, umas mais decisivas que outras, mas fazem parte do que sou.

Ontem fui visitar a minha avó. Ficou felicíssima, como sempre. Curioso como a certa altura senti necessidade de a visitar, normalmente ao domingo de manhã. Curioso porque nunca fui muito disso - lido demasiado bem com a distância - mas de repente pensei que se calhar não terei assim tão mais tempo para conversar com ela, para me rir com ela, para aprender com ela. Como ela sabe que eu gosto de pensar na vida, volta e meia falamos da morte. Da sua morte. Nesta fase final da sua vida descubro nela uma religiosidade que não conhecia e ela ensina-me uma serenidade que eu próprio, apesar da minha fé, gostaria de ter. É a última da sua geração: todos os amigos, todos os irmãos já seguiram o seu caminho e ficou ela, alegre, vivaça, carente de um miminho como qualquer criança, de lágrima fácil mas consciência tranquila. Ainda ontem me dizia, vaidosa, que a cabeleireira tinha ido lá.  Ainda ontem me dizia. serenamente, que tentava ainda caminhar porque não quer acamar, mas que também não valia a pena esforçar-se muito porque não seria por muito tempo. A minha avó, do alto dos seus 92 anos, mede o seu futuro em semanas, não em meses e muito menos em anos. E fá-lo desde que a conheço!

É incrível o que comecei a aprender da vida a partir da altura em que tive que lidar com a morte. É incrível como cada vez mais me apercebo que ambas as coisas estão intimamente ligadas. E como vou descobrindo que, muitas vezes, viver tem uma carga dramática muito mais intensa que morrer. E isso é bom.

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