Como é que eu falo de Deus? Que palavras uso? Que evidências uso? Que leituras proporciono a quem olha para mim como não quer a coisa?

Acabei agora de ler um texto extraordinário do José Frazão Correia e que pode ser lido aqui: http://www.snpcultura.org/amar_a_Deus_nos_lugares_ausencia.html Um texto que eu jamais seria capaz de escrever, com uma profundidade que não é a minha, com uma sabedoria que não é a minha mas também, convenhamos, dirigido a um público que não é, com toda a certeza, o meu.

Ainda ontem, numa daquelas conversas ao almoço que também alimentam a alma, partilhava com um bom amigo as minhas preocupações que, no fundo, culminam na questão de sempre: Como é que eu falo de Deus?

Parte importante do meu tempo e do meu trabalho tem sido feito num daqueles lugares que parecem arredados de Deus. Quem lá se refugia está muito mais preocupado com questões de mera sobrevivência quotidiana, com o conseguir esgalhar a vida, como eles dizem, que com as coisas de Deus. Se não encontram um sentido no que lhes acontece aqui, se se limitam a sobreviver aos dias, a acumular horas, como lhes transmitir que a vida é mais que mera sobrevivência?

Lembro-me do baque que senti quando comecei a fazer Dias de Reflexão. Como se tratava de um colégio católico, pensei que todos os alunos que teria diante de mim estariam minimamente identificados com estas coisas da procura de Deus. Lembro-me que tinha um esquema muito bem preparado, alicerçado em largos anos de experiência com Grupos de Jovens. Bastou-me, no entanto, meia hora, para perceber que estava completamente enganado. Que para muita gente aqueles Dias de Reflexão eram pouco mais que um primeiro anúncio. E que para outros o importante é que fossem Dias de (nenhuma) Reflexão. Tive aí, nessa altura, a oportunidade de me refazer na linguagem, nos gestos, nas atitudes, nas abordagens que tinha previamente formatadas mas que eram perfeitamente desadequadas a quem tinha diante de mim. E creio que, umas vezes com maior sucesso que outras, o consegui fazer.

Nesta altura deparo-me com outro tipo de população, com outro tipo de pessoas, com idades muito diferentes, com percursos de vida muito complicados, com procuras inexistentes. Pessoas para quem qualquer referência a Jesus ou a Deus soa quase como um insulto, porque, antes de mais, se sentem esquecidos e postos de parte por tudo e todos. Porque, depois de tudo o mais, o Deus de que tanto falam nãos lhes deu coisa nenhuma. Pelo contrário: a imensa maioria dos que pregam o Jesus dos pobres vai à missa em carros de luxo e vive nos apartamentos de luxo que estão ali mesmo à mão de semear mas tão longe e inalcançáveis como Marte. É demagogia, claro, é refúgio, claro, é injusto, claro, é até mentira, claro, porque a grande parte dos que têm os carros e os apartamentos estudaram muito e esfalfam-se a trabalhar para conseguirem ter o que têm e não se arrastam pelos cantos. Mas também tem um fundo de verdade e é com essa demagogia, com esse refúgio, com essa injustiça e até com essa aparente mentira que estão tão enraizadas nas pessoas, que eu tenho que trabalhar, é justamente isso que eu tenho que tentar desmontar e dar um sentido, é justamente a partir daí que eu tenho que tentar fazer renascer (ressuscitar?) um Jesus que dá todo o sentido à minha vida e, acredito profundamente, dará ainda mais sentido às suas vidas. Não se trata de lhes tentar impingir um deus que os adormeça na miséria mas, pelo contrário, de lhes dar a conhecer um Deus que é Pai, que os ama e que os chama a ser muito mais do que eles acreditam serem capazes de ser. Trata-se de lhes restituir a Dignidade que acreditam ser apenas pertença dos outros.

Gostei muito do título do texto em questão: "Amar a Deus nos lugares da Sua ausência".
Mas, depois de o ler, percebo que a minha realidade é outra.
E a minha batalha quotidiana também.

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