Uma das constantes mais dolorosas de mim é o pânico que os outros, particularmente os que confiam mais em mim, descubram quem sou.

Acabei de ser surpreendido. Facilmente olho para o meu reflexo estampado do outro lado do ecrã e, mais que não me reconhecer no tanto que fazem de mim, tenho muito medo do que acreditam que vêem em mim. Ainda na semana passada, durante uma formação recheada de notáveis, a primeira coisa que escrevi foi "que raio fazes tu aqui?". Creio que no mais íntimo de mim nunca passarei de um puto do bairro a por-se em bicos de pés para tentar fazer parte do mundo. A maior constante da minha vida é a procura. Passo a minha vida a tactear, a tentar absorver o imenso que os que me rodeiam sabem para, a partir da sua sabedoria, tentar fazer uma roupagem com a qual eu possa tapar a minha nudez. Em vão. Sempre em vão. Quando me encontro comigo mesmo, quando passa o inebriamento dos dias e apenas me tenho na minha solidão profunda, tão indesejada quanto inevitável, ressoa apenas a única verdadeira questão que me acompanha desde sempre: "que raio fazes tu aqui?". Não sei. Tirem-me aqueles que me rodeiam, e que me amam, e que fazem de mim quem eu sou, e ficará apenas aquele puto do bairro, pequenino e assustado, navegador de superfície, sempre embasbacado com a imensidão dos outros. Por isso, mesmo as minhas certezas estão recheadas de dúvidas. Por isso, não percebo, nunca o percebo, quando me assinalam a serenidade, ou a disponibilidade, ou a alegria. Meu Deus! Estão tão longe! A maior parte das vezes é o medo o meu motor. Medo de desiludir, medo de magoar, medo de passar ao lado, medo que me ponham de lado. Como eu gostava de ser autónomo, confiante, cheio de certezas, isento de dúvidas. Como eu gostava de conseguir propor caminhos, delinear futuros, sem vacilar, sem me por em causa, dominando as possibilidades, escolhendo sempre as melhores. A verdade é que, invariavelmente, estupidamente, quando me meto a fazer isso só sai asneira. Levei tempo a percebê-lo. Levei ainda mais a aceitá-lo. A conhecer os meus limites e a tentar encaixar-me dentro deles. Todos os dias. E todos os dias, quando me encontro comigo e volta a velha questão, dou-me a mesma resposta: "não passas de um puto do bairro a tentar fazer parte do mundo". Podia ser pior. Pode sempre ser pior.

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