A cabeça nas mãos


Ainda ontem

A cabeça nas mãos

Por Miguel Esteves Cardosohttp://jornal.publico.pt/noticia/29-04-2012/a-cabeca-nas-maos-24450135.htm
Às vezes encontramo-nos com a cabeça nas mãos. Tudo o que poderia ter corrido bem correu mal. O mundo, que era igual à vida, afasta-se de repente. Distancia-se e continua a existir, como se nada tivesse a ver ou a haver connosco, como se fizesse questão de mostrar a independência dele, mundo, que não existe só porque nos damos conta dele. A má notícia é má, mas a pior, para quem cá está, é a pessoal. A minha pessoa é a Maria João e a Maria João passa mal. Nem o amor nem a sabedoria médica a podem salvar. Só uma conjunção das duas coisas, mais um acrescento de milagre.

O cabrão do cancro alastra-se. Exterminado no pulmão ou na mama, foge para o cérebro, onde se refugia e cresce. Forma uma força da morte, aproveitando as barreiras antigas entre o sangue e o cérebro, que infiltra conforme lhe apetece.

Hoje, domingo, é o último dia em que estaremos juntos, dois amores, felizes há quase vinte anos. Amanhã, logo às nove da manhã, estaremos na consulta dos excelentes neurocirurgiões do Hospital de Santa Maria, onde nos avisarão das complicações possíveis. Obama deveria inspirar-se na perfeição clínica e humana do serviço de saúde português e francês. Mas a dor não diminui. Nem a tristeza abranda.

Vai morrer o meu amor. Não vai. Como o meu amor por ela, nunca há-de morrer.

As coisas acontecem sem acontecer o pensamento nelas. A alma, o coração e a cabeça são coisas diferentes.

Que se dão bem. E são amigas. E deixam de ser quando morrem.

Hoje chorei ao ler o Público. Não acontece muito. Aliás, creio ser a primeira vez. Mas não consegui resistir. Acompanho a luta entre o Miguel e a Maria João desde que ele apareceu nas páginas daquele jornal. Emociono-me com as suas conquistas, com as pequenas batalhas ganhas da sua guerra contra o cancro. Emociono-me com o seu amor, que ele tão bem partilha com todos nós. 
E rezo por eles.

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